Montanário
Bem ao sul da imaginação

Chama-se Montanário e é o primeiro livro de Eduardo Jorge Duarte. Editado pela On y va, foi apresentado em Monchique, terra natal do autor, no passado dia nove, perante centenas de pessoas, na praça central da vila. Vai entrar em segunda edição.

Texto: Redação Human

 

Não são raras as vezes em que se associa um autor a uma determinada geografia, o que é raro, isso sim, é encontrar uma proximidade tão sentida como a de Eduardo Jorge Duarte à Serra de Monchique, «a serra azulada ao sul da imaginação» – palavras suas, que vão ao encontro de outras já distantes, do seu conterrâneo Manuel do Nascimento. É esta serra que em Montanário (ed. On y va) marca a vida do escritor e geógrafo monchiquense, a serra das imponentes montanhas da Fóia e da Picota, heroínas aqui omnipresentes, como a senhora araucária, a árvore que entre as duas domina a vila num demorado percurso até um dia, quem sabe, atingir o céu.

Leitor de Faulkner – como não reparar logo a abrir o livro numa das dedicatórias, e como ignorar as referências ao longo das páginas? –, mas também leitor de tantos outros escritores marcados pelo génio e pela sabedoria, Eduardo Jorge Duarte mostra-nos como soube beber com os melhores para ainda tão novo estar perto deles. Tem mesmo uma entrada curiosa, poucos dias antes do anúncio do Prémio Nobel de Literatura para Alice Munro que deixou o mundo de boca aberta pelo desconhecimento. Nessa entrada refere-se com a maior naturalidade à contista canadiana, fala-nos dos seus ensinamentos, assim como noutras alturas nos fala dos de Calvino, Carver ou Nabokov.

Montanário é o primeiro livro de um grande escritor. Lemos os seus textos com espanto, mesmo com algum assombramento. Como se os olhássemos de baixo. E eles lá bem em cima, dominadores, sábios, desarmantes, verdadeiros e, ao mesmo tempo, tão próximos de cada um de nós. Como a serra do autor, «ígnea e imbatível», prometem ficar para a eternidade.

 

O autor

Eduardo Jorge Duarte nasceu em 1982, em Monchique, «a serra azulada ao sul da imaginação», como gosta de assinalar, tendo crescido numa casa «de pouca literatura mas mobilada de histórias, como as cabeças das pessoas». Formado em «Geografia e Planeamento Regional», em Lisboa, passou pelo Alentejo, regressou a Monchique e voltou a Lisboa, onde reside e trabalha. Diz que não sabe onde estão as coordenadas do futuro, desconhecendo onde estará daqui a um ano; apenas assegura que nunca deixará as raízes da serra algarvia. Durante muito tempo manteve um programa de rádio onde falava dos livros que lia. Alguns dos seus contos estão publicados em coletâneas, na edição portuguesa do Le Monde Diplomatique e no Jornal de MonchiqueMontanário é o seu primeiro livro.

 

Um excerto

«A manhã foi um regresso à faina de andarilho. Em passadas bem medidas no mapa do entendimento, cheguei a uma conclusão: caminhar é ler com as pernas. A varrer as veredas sinuosas desta minha serra, perco-me na virgindade escabrosa de cada encosta, reajo com não sei que emotiva inocência aos chamamentos solenes das flores de esteva, farejo as perdizes aninhadas no aroma silvestre a rosmaninho, ameigam-se-me os tojos das arrelias nos ribeiros a cantar músicas de frescura tiradas aos fundos das gargantas. E experimento outra dimensão. Diante de uma rude penedia, de uma leira por cavar, de um barranco talhado a pico pela água da chuva ou de uma ravina abissal, estou sempre no terreno unigénito de quem se estreia na beleza exuberante da geografia. É um deslumbramento absoluto, lúdico, de saciedade dos sentidos.»