Em 1977, Rosabeth Kanter enfatizou o desequilíbrio que existia nas organizações em relação a homens e mulheres. Mais concretamente, a sub-representação de mulheres nos lugares cimeiros. Realçou, ainda, que este desequilíbrio origina dois grupos: os Dominantes, os homens, e os Dominados, as mulheres.
Texto: Joana Oliveira/ Maria Cavaleiro Brandão
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Mais tarde, em 1990, Joan Acker assinalou que as organizações são genderizadas, ou seja, não são neutras de género. Em vez disso, são contextos sociais onde ocorrem relações de desigualdade em função do sexo e, por serem dominadas por homens, tendem a refletir os seus interesses.
Passadas três décadas, a desigualdade de género permanece nas organizações. Estudos demonstram que serão precisos mais de 100 anos para se atingir a igualdade, ou seja, aproximadamente mais cinco gerações. Cinco gerações onde os homens não serão vistos como pais cuidadores, mas apenas como provedores do sustento da família, onde as mulheres oferecem menor salário para a mesma função, entre tantos outros aspetos.
Mas se a igualdade de género é um dos objetivos de desenvolvimento sustentável para 2030 e é considerada tão importante, porque ainda não existe?
Além de existir um gap Intenção-Comportamento – ou seja, as pessoas consideram algo importante, mas não concretizam ações nesse sentido –, estudos demonstram que a desigualdade está a ser desacreditada. Ou seja, acredita-se que ela existiu no passado, mas já não existe, ou acredita-se que ainda existe, mas não nas nossas organizações. Semelhante ao ditado «só acontece aos outros», mas neste caso só acontece noutras organizações.
Devido, em grande medida, aos estereótipos sobre os papéis sociais da mulher e do homem, também o gap Lei-Comportamento contribui para que a igualdade entre os géneros não possa ser, ainda, a realidade que desejaríamos, apesar da forte proteção legal de que a mesma já beneficia.
Entre nós, essa proteção encontra-se expressamente consagrada no Código do Trabalho, que prevê a proibição de o empregador praticar qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão, nomeadamente, do sexo do trabalhador.
Essa proibição de discriminação, cuja violação constitui contraordenação muito grave, é concretizada no Código do Trabalho através de uma série de medidas que impõem ao empregador a igualdade e a não discriminação em função do sexo, nomeadamente nas matérias do acesso ao emprego, da atividade profissional ou da formação e de igualdade de condições de trabalho, em particular no que se refere à retribuição, dizendo-se expressamente que os elementos que a determinam não devem conter qualquer discriminação fundada no sexo.
Nesta sequência, o Governo, pela Proposta de Lei 15/XV/1, submeteu à Assembleia da República, que já aprovou na generalidade, a Agenda do Trabalho Digno, que pretende reforçar a valorização de aspetos como o imperativo da conciliação entre trabalho e vida familiar e pessoal, em diferentes dimensões, num quadro de promoção da igualdade entre homens e mulheres. Para o legislador, as questões de precariedade e os desafios da conciliação entre vida profissional, familiar e pessoal comprometem a igualdade entre homens e mulheres e a sustentabilidade demográfica do país, no curto e no longo prazos.
Assim, nesta proposta passam a ser salvaguardas as situações de gozo de direitos na parentalidade e de outros direitos, previstos no âmbito da conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal, considerando-se como práticas discriminatórias as discriminações relacionadas com prémios de produtividade e assiduidade, assim como as afetações desfavoráveis em termos de avaliação e progressão na carreira. Ainda a respeito das licenças de parentalidade, o artigo 28 da proposta vem prever a majoração dos respetivos subsídios, em termos a definir em legislação específica, no caso de partilha das licenças parentais entre ambos os progenitores, isto no sentido de promover, também ele, a igualdade entre homens e mulheres.
Há, pois, que continuar a promover uma perspetiva de género que inclua ambos os géneros. Neste momento, a lei ainda é vista numa perspetiva androcêntrica e não percebemos as potencialidades que comporta na defesa da igualdade de género, como é exemplo a promoção do gozo dos direitos da parentalidade em termos igualitários entre homens e mulheres, que a proposta pretende aprofundar.
É esse o caminho. Vamos por aí.
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»»»» Joana Oliveira é consultant na SHL Portugal; Maria Cavaleiro Brandão é associada coordenadora na Vieira de Almeida (VdA)