Ana Margarida Ximenes
«A Geração Z está numa encruzilhada.»

Os jovens nascidos a partir de 1994, entre os 14 e os 23 anos formam uma nova geração, a que se vai associando a letra Z. A presidente da Atrevia, Ana Margarida Ximenes, apresenta nesta entrevista um estudo sobre uma geração como nunca se viu outra no mercado de trabalho e também na sociedade.

Por António Manuel Venda

 

O que levou à realização de um estudo sobre a geração Z?

Na Atrevia acompanhamos e investigamos as tendências de mercado na áreas de comunicação e liderança. Nesse sentido, e tendo em conta que a Geração Z trouxe um novo olhar para o mundo, esta mesma geração despertou o nosso interesse e da Deusto Business School, com a qual desenvolvemos o estudo. Estes jovens, entre os 14 e os 23 anos, que nasceram a partir de 1994, reúnem uma série de capacidades e qualidades únicas, fruto do complexo contexto político e económico em que vivemos. Podemos mesmo dizer que a Geração Z está numa encruzilhada, num dilema: nasceram nos últimos anos do século passado e ao mesmo tempo a Internet a acompanha-os durante toda a vida e em todos os momentos (estudar, amizades e atividades de lazer). Por este motivo, encontram-se num dilema: como o mundo ainda não é 100% digital têm que decidir se renunciam a parte da sua identidade para se adaptarem a uma realidade feita para e por pais e avós, ou são eles próprios e correm o risco de ficar na periferia do sistema. Continuar a procurar o trabalho que ansiavam os seus irmãos mais velhos, ou trabalhar por projetos e abraçar a gig economy. Este dilema pareceu-nos um tema muito importante, inclusive para ser alvo de um estudo.

Como desenharam o projeto e como foi concretizado?

Em 2015, um grupo de investigadores da Deusto Business School, com o apoio da Atrevia, foi pioneiro em estudar a geração que nasceu em 1994 e 2010. Como resultado deste trabalho, em março de 2016 foi publicado o primeiro estudo que se chamou: «A Geração Z, o último salto geracional». O trabalho veio revolucionar a opinião pública e conseguiu que a expressão «Geração Z» se normalizasse no mundo latino. Durante a segunda metade de 2016 e o primeiro trimestre de 2017, as duas instituições entrevistaram 600 jovens da Geração Z em Portugal e Espanha. O objetivo era conhecer o seu comportamento na relação com o mundo do trabalho, as preocupações como cidadãos, assim como os novos hábitos de compra. O resultado foi a publicação de um novo estudo, que designámos como «Geração Z, II Fase: o dilema». É um estudo qualitativo e quantitativo exaustivo acerca da primeira geração verdadeiramente digital, procurando analisá-la em três vertentes: como consumidores, trabalhadores e cidadãos.

Falando de uma franja de pessoas que só no limite superior (23 anos) começa a integrar-se no mercado de trabalho, não será ainda cedo para retirar conclusões?

Não é cedo para retirar conclusões. Esta é claramente uma nova geração que aspira equilibrar a relação trabalho e vida privada, procura realmente o emprego ideal, e valoriza o trabalho em equipa em vez do individual. Para eles o mais importante não é o salário, mas sim o ambiente de trabalho, a possibilidade de desenvolver a carreira profissional e a conciliação trabalho/ vida privada. Esta geração é a primeira que não aspira a ter o mesmo trabalho para toda a vida e que vive a mudança como algo inerente à vida. A flexibilidade laboral e as contínuas mudanças no mercado de trabalho fazem parte do seu imaginário. São jovens com uma visão ainda prudente, que procura a estabilidade necessária para o desenvolvimento de um projeto de vida, e uma visão mais aventureira, caracterizada por priorizar a satisfação das inquietações intelectuais. E, tal como as anteriores gerações, continuam a ter que viver com situações de precariedade no emprego, e quando deixarem de ser adolescentes não vão poder aspirar a formar uma família com o ordenado que recebem… Vão ficar desencantados. E no mundo empresarial continuam a existir marcas que «maquilham» a sua falta de compromisso com a envolvente com campanhas de greenwashing dirigidas a estes novos consumidores. Esta é uma contradição pura que convive numa única geração.

Os dados recolhidos ajudam-nos então a perspetivar o futuro do trabalho?

Sem dúvida. Esta nova geração caso não concorde com o posicionamento corporativo de uma marca vai rejeitá-la, quer ao nível do consumo, quer na integração profissional. Os valores pessoais desta geração estão muito acima da necessidade de emprego, e isto é algo novo. A profissão é encarada como uma experiência, alinhada com os valores e a visão do mundo, permitindo o crescimento, e não como um fim em si mesmo. Procuram viver uma experiência profissional que os satisfaça, no sentido de entenderem o mundo em que vivem: inter-relacionado, transparente e marcado pela imagem e pelas imagens. A aspiração profissional não está em ser chefe, mas em adquirir conhecimentos e experiências para ser uma referência e encarar novos desafios profissionais. A necessidade de estabilidade e segurança das gerações anteriores convive com o desejo de novidades, desafios e vias de desenvolvimento variados.

Um aspeto importante nas organizações é que a integração destes jovens no mercado laboral requer o desenvolvimento de competências e técnicas de liderança transgeracional, para que a coabitação dos Z com as outras gerações nas organizações seja realmente um valor diferencial. O perfil digital destes colaboradores requer uma gestão de pessoas digitalizada.

Como podem as empresas e outras organizações preparar-se para receber esta nova geração?

As organizações, para comunicarem com a Geração Z, têm que identificar muito bem as plataformas onde estão e transmitir as informações de forma rápida, sucinta e atrativa visualmente, agilizando a assimilação da informação. O «Instagram» é uma excelente aposta, porque é uma rede social muito baseada no generated content, conteúdo gerado por utilizadores e partilhado com as comunidades ‘on-line’.

Um ponto interessante deste estudo é que para estes jovens o sistema educativo atual não se adequa aos requisitos do mercado de trabalho. Para dar resposta a esta dificuldade, estes jovens desenvolvem habilidades autodidatas, onde o «YouTube» é um dos seus grandes aliados. Esta geração está preocupada com a saúde, a formação, as relações familiares, o êxito no trabalho, o meio ambiente, e em ganhar dinheiro, em detrimento do tempo de ócio.

E a relação com as outras gerações no trabalho, é um tópico importante?

Sim, a solução para o dilema que referi passa por a Geração Z cooperar com as restantes gerações sem renunciar à sua verdade, sem atraiçoar os seus valores, e assim construir um mundo mais humano.

 

 

»»» Ana Margarida Ximenes é presidente e co-fundadora da Atrevia, uma consultora de comunicação e de posicionamento corporativo. Licenciada em «Comunicação Social», com especialização em «Jornalismo e Produção e Realização Audiovisual» pela Universidade do Minho e um PDE («Programa de Direção de Empresas») da Escola de Negócios AESE, possui uma vasta experiência profissional como especialista na área da comunicação enquanto jornalista, copywriter e relações públicas. Durante seis anos foi vice-presidente para a EMEA (Europa, Médio Oriente e África) da PROI (Public Relations Organisation International), a maior rede de agências de comunicação independentes do mundo. É membro do Conselho Fundador do Observatório da Comunicação Interna e Identidade Corporativa (OCI), criado pela Atrevia em 2010, membro da European Association of Communication Directors (EACD) e integra os júris de prémios nacionais e internacionais.