Rodolfo Begonha/ Vítor Patinha: Um livro negro da educação

Rodolfo Begonha e Vítor Patinha são dois profissionais da área editorial, o primeiro ligado à gestão e à edição e o segundo à área comercial; integram uma das principais editoras portuguesas, a Gradiva, que é uma das mais prestigiadas, tendo aí responsabilidades de direção

Dois profissionais da área editorial, Rodolfo Begonha [RB] e Vítor Patinha [VP], acabam de lançar um projeto editorial que, segundo assinalam, «dá voz crítica e livre à sociedade civil relativamente a um tema decisivo para o nosso desenvolvimento e futuro como povo». Trata-se da obra «(Des)educação em Portugal – Livro Negro», que surge com a chancela da Libertação Editores.

Por António Manuel Venda

O que está na base do projeto deste livro?

[RB] A ideia inicial foi do Vítor, que pensou num livro todo negro, como forma simbólica de protesto pela maneira como o tema tem sido tratado ao longo do tempo e até aos nossos dias.

[VP] Depois disso, o Rodolfo foi um grande impulsionador do livro, acrescentou ideias e fomos interagindo de forma muito produtiva. Entendemos que era preciso dar voz às pessoas, ouvi-las, escutar a sociedade civil.

[RB] Sem problemáticas graves, dramáticas mesmo, afetando o nosso futuro coletivo, não haveria livro.

[VP] E isso está bem ilustrado no conteúdo. Por exemplo, quanto à exigência no ensino, à disciplina e de forma destacada à instabilidade.

Por que é que escolheram para esta vossa intervenção a área da educação e como meio o livro?

[VP] Em primeiro lugar, importa clarificar que não somos especialistas em educação… Nem era necessário que o fôssemos para coordenarmos um livro com estas características.

[RB] Mas somos cidadãos imensamente preocupados com um tema que consideramos verdadeiramente decisivo para o nosso desenvolvimento, num país com as características e os problemas que sabemos…

[VP] E com a escassez de recursos que também reconhecidamente existe. Não exploramos petróleo, nem temos diamantes…

[RB] O que seremos como povo sem levarmos verdadeiramente a sério esta área? Mais do que erros ao longo de anos, têm sido cometidos crimes.

[VP] Mas, respondendo diretamente à questão: como gestores temos um olhar especial relativamente a temáticas como a educação e a formação, que muito valorizamos, e trabalhamos numa editora – a Gradiva –, o que significa que pensar num livro é perfeitamente intuitivo.

[RB] Apesar de este projeto ser nosso, ou seja, desenvolvido de forma totalmente independente, não podemos desprezar algumas influências que em conjunto, ao longo de diversos anos, nos aproximam desta temática. Entre elas a própria vocação editorial da editora, o enquadramento da respetiva cultura organizacional e curiosamente as preocupações do seu presidente relativamente ao tema.

[VP] Além disso, também temos filhos atualmente no sistema educativo.

[RB] Consideramos que a educação em Portugal, ou melhor, a (des)educação, tem um relevo e uma abrangência tão elevados que se torna incontornável para abordagem e ação.

Como construíram o projeto, sobretudo pensando na mobilização de vontades e na imagem final que conseguiram?

[RB] Um livro negro tem logicamente de funcionar com um fundo dessa cor, e o grafismo tem de ser apelativo e estar alinhado com isso. Deve igualmente ser de leitura simples e cativar as pessoas para a reflexão e se possível lançar sementes para intervenção e melhoria. Entre nós – os dois coordenadores – não precisámos nunca de discussões no sentido de superar divergências ou alinhar tendências difíceis de conciliar relativamente ao que íamos fazendo. Fomos debatendo o projeto em função dos obstáculos e das ideias que faziam sentido para o tornar único e com interesse sério para a comunidade, apesar de estar associado a um carácter necessariamente simbólico.

[VP] Achamos que tudo isso foi conseguido.

[RB] Inicialmente imaginávamos que ia ser difícil conseguirmos depoimentos, isto é, obter-se contributos críticos sobre a educação em Portugal. Para assegurarmos liberdade na expressão de ideias e opiniões, ou mesmo que quisessem pronunciar-se, estabelecemos que seria salvaguardada confidencialidade relativamente aos nomes das pessoas.

[VP] Com a excelente ajuda de amigos e de pessoas conhecidas, a ideia subjacente ao livro e à recolha desses contributos foi difundida e teve um resultado para nós surpreendente… Quase extraordinário:  a dificuldade foi saber quando teríamos de parar. Compreendemos que muitas pessoas queriam oferecer as suas opiniões. Ficámos sensibilizados e imensamente agradecidos face a todos os que nos ajudaram a angariar contribuições e a todos os que participaram no livro… Que naturalmente só foi possível graças a eles.

Como comentam o facto de no título já apresentarem de certa forma uma opinião sobre o tema que é abordado  no livro?

[VP] Não censurámos as opiniões, pedimos simplesmente opiniões críticas. Só interviríamos bloqueando aspetos eminentemente ofensivos ou grosserias, o que não foi realmente necessário.

[RB] Não é por ter o título «(Des)educação em Portugal» que o livro deixa de ser um hino à liberdade. As respostas foram fornecidas sem grandes pormenores sobre o mesmo e não foram induzidas ou influenciadas pelos coordenadores.

[VP] Infelizmente os graves problemas que têm minado o sistema educativo português fazem com que intuitivamente as pessoas se pronunciem de forma primordial focando o que consideram estar mal e o que deve ser transformado para melhorar.

[RB] É precisamente a partir do pensamento, da busca do conhecimento e da análise crítica que melhor se pode partir para ações concretas. O livro é das pessoas e para as pessoas. As suas páginas com tanta riqueza e heterogeneidade falam por si e merecem ser lidas.

O vosso projeto pode comparar-se ao da série de livros da Fundação Francisco Manuel dos Santos, só que com meios completamente diferentes, sobretudo na dimensão. Acreditam que em Portugal, mais do que o Estado, mais do que instituições da sociedade civil com suporte financeira derivado da atividade empresarial, também cidadãos por si só podem ter uma intervenção de relevo?

[VP] Honra-nos muito que este nosso projeto seja comparado ao das obras editadas pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, cujo trabalho tem sido notável. Mas não cremos que seja verdadeiramente comparável exceto no que toca à ideia de acrescentar efetivamente valor e constituir-se potencialmente como prestando um serviço à comunidade. Gostaríamos que assim fosse.

[RB] Acreditamos que os cidadãos devem ter por si só um papel de relevo e uma intervenção importante. Todavia, também achamos que em termos práticos, por múltiplas razões, isso não é um desiderato fácil de atingir. Parece-nos que não há entre nós uma forte mobilização e tradição da participação dos cidadãos, além de existirem também obstáculos vários para que tal ocorra. Esta discussão levaria porventura à criação de um novo livro, também muito interessante…

[VP] Somos realistas…

[RB] O que não significa que não tenhamos trabalhado com esperança nem que a tenhamos perdido.

O livro denota, como objeto, um enorme cuidado, quase artesanal, em termos de preparação. Numa sociedade tão rápida em tudo, até na edição, como foi para vocês – precisamente profissionais ligados à edição – trabalhar a salvo da velocidade destes tempos?

[VP] Um livro desta natureza teria de possuir características próprias, ser especial.

[RB] No que se refere ao tempo, é preciso ter-se em conta que tudo se processa num segundo plano, pelo rigor e pela ética escrupulosamente seguidos, exigências precisamente em jogo por sermos profissionais da edição a tempo inteiro e essa atividade ser muito absorvente.

[VP] Dedicámo-nos com entusiasmo… Até paixão.

[RB] Simultaneamente, assumindo compreensíveis sacrifícios…

[VP] O que se por um lado coloca problemas também permite maior cuidado e possibilidade de limar arestas…

[RB] Visto que o desenvolvimento se processa em conformidade com uma progressão no tempo com cadências específicas.

Pretendem continuar a editar?

[VP] Gostaríamos de o fazer e temos até ideias sobre novos livros, mas não é fácil. O mercado do livro não está nada promissor, teremos de ter a certeza de que interessam aos públicos-alvo, e que cumprem uma missão relevante. Além disso é preciso ter em conta que o investimento é grande sob vários pontos de vista e em boa medida os gastos são irrecuperáveis.

[RB] Acho que o Vítor Patinha queria de certo modo dizer que não publicaremos qualquer livro com objetivos irrealistas de tirar grandes proveitos financeiros. Qualquer projeto tem de nos dar gosto e contribuir claramente de forma positiva para os destinatários, para os leitores, para o país, dentro da relativa e possível dimensão do empreendimento.

[VP] É crucial ter em conta a rigorosa compatibilização com a nossa vida profissional, já em si imensamente exigente.

[RB] Sim, está nos nossos projetos editar, contudo sempre com os pés bem firmados na terra e sem perdermos de vista as preocupações já evocadas.

E na área da educação, como contam intervir a partir de agora?

[RB] Não somos ingénuos a ponto de pensar que basta ter ideias, coordenar um livro, fazê-lo existir e pronto… Se o objetivo é a sua difusão, gerar impacto na sociedade… Tem de haver algo mais.

[VP] Tal como já demos a entender, sabemos da pouca participação das pessoas em múltiplas situações – até decisivas para a vida do país – e também das características e dificuldades crescentes inerentes ao próprio mercado. Claro. Por isso faz pleno sentido organizarmos debates a propósito do livro.

[RB] Devem ser materializadas discussões de onde possam surgir ideias diferentes, quem sabe se conclusões e intervenções que se desejam positivas para a educação…

[VP] Um livro sobre a (des)educação em Portugal é mais pertinente se contribuir para a promoção do debate plural, tão vasto quanto possível.

Há algum aspeto que queiram referir e que não esteja contemplado nas questões que fomos abordando?

[VP] Uma nota curiosa que podemos deixar relaciona-se com o facto de este livro – apesar das intenções subjacentes – não estar isento de críticas e controvérsias e de já ter provocado dissabores aos seus coordenadores.

Podem concretizar?

[RB] Sem querermos entrar em pormenores aos quais não atribuímos excessivo valor, a verdade é que a suspeição e a inveja são velhos condimentos da cultura portuguesa que também neste caso têm feito as suas aparições. Além disso, apercebemo-nos de que há quem não acredite na efetiva liberdade que presidiu à edição do livro, tentando vislumbrar na postura dos coordenadores determinados alinhamentos, intenções ou preconceitos ideológicos ou até mesmo de carácter político-partidário, apesar de estes não terem existência real.

 

 

Nota: mais informações sobre o livro – e-mail, site.