Paulo Balreira Guerra, da ForCEREBRUS
«Todos querem ser talentos e ter consigo talentos.»

Partner da consultora ForCEREBRUS e um dos autores do livro «Humanator XXI», Paulo Balreira Guerra olha para o mundo português dos recursos humanos com uma perspetiva crítica e deixa alguns alertas para os efeitos que poderão decorrer da pandemia de Covid-19.

Texto: Redação «human» Foto: DR

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Começo por perguntar-lhe, como um dos autores do «Humanator XXI», como olha agora para a evolução das temáticas nas várias edições do livro ao longo dos anos?

Claro que temos evoluído, e muito. Desde 1997, temos escrito novos capítulos para deixar isso bem claro.

O caminho que fizeram esteve mais a par da realidade portuguesa dos recursos humanos ou pode dizer-se que procurou sempre ser como que um conjunto de desafios, com propostas que rompiam com muito do que se praticava?

Procurámos as duas coisas. Por um lado, estar ao lado da realidade portuguesa – onde estão os nossos leitores – e por outro lançámos desafios interessantes a esses leitores. Veja-se o capítulo 14, sobre gestão do conhecimento, e o capítulo 16, sobre gestão do talento. São dois capítulos que não existiam em 1997.

Parece-lhe que estamos alinhados com as grandes tendências internacionais?

Sim. Parece-me que estamos bem alinhados e em alguns casos até à frente. E estou a falar da realidade das empresas. Não podemos esquecer que a crise motivada pela pandemia de Covid-19 não é caso único em Portugal. Com essa crise, as pessoas, os recursos humanos, vão estar muito mal.

A questão da Covid-19 é assim tão importante?

Sim. Importa considerar os seus reflexos na gestão das pessoas, principalmente nas mais novas – dos 18 aos 35. Numa perspetiva de mudança, naturalmente que as pessoas querem que se mantenha o que é bom e se altere o que é mau, e assim naturalmente surgem os obstáculos à mudança. Uma das coisas é o local de trabalho (em que não se aceita muito bem o voltar à empresa todos os dias); isto traz como consequência perder a autonomia que estava inerente a trabalhar a partir de casa (por exemplo, havia casos em que a preocupação no vestir era na parte que se via nas reuniões on-line). Nas situações de escolha de um novo emprego, este histórico é muito importante. Na autonomia está ainda inerente a questão dos horários de trabalho: a pessoa que antes escolhia o seu horário agora já não pode fazê-lo, e sente que está a ser alvo de uma pressão injusta.  Também é importante que voltem a ter as remunerações como eram antes. Se não houver remunerações assentes em objetivos, será difícil às empresas (que tiveram um histórico negativo financeiramente) reporem a 100% as remunerações, pois os interesses são destintos. Isto tudo para além da gestão das carreiras, da avaliação do desempenho e de outros fatores críticos de sucesso na gestão das pessoas que têm de ser normalizados.

E se isso não acontecer?

Caso esses fatores não sejam considerados, o turnover será cada vez maior e os níveis de insatisfação também. Depois de as pessoas retomarem a sua atividade normal é que estes dados serão mais divulgados – ou seja, só em outubro/ novembro é que esta realidade se colocará. Mas alguma coisa que haja a fazer, deve ser feita agora.

«Apresentamos [no livro ‘Humanator XXI’] um modelo para atuação interna. Continuamos a acreditar no marketing interno como modelo conceptual de abordagem, e damos inúmeros exemplos de empresas a atuar em Portugal.»

Voltando ao «Humanator XXI», que contraponto faz com os restantes livros, mais focados em temas específicos?

Não vou falar desses outros livros, falo do nosso livro [escrito com Pedro B. da Camara e Joaquim Vicente Rodrigues]. Nós apresentamos um modelo para atuação interna. Continuamos a acreditar no marketing interno como modelo conceptual de abordagem, e damos inúmeros exemplos de empresas a atuar em Portugal.   

Na sua atividade como consultor, tem sentido grandes mudanças nas necessidades das empresas em termos de gestão das pessoas?

Nem por isso. Nuns casos sim, noutros nem tanto.

Como lhe parece que olham os nossos gestores de pessoas para as propostas dos consultores? Aceitam a inovação? Rejeitam-na por vezes?

Normalmente aceitam bem – é o que faz trabalhar por medida –, mas há situações em que a inovação é rejeitada.

«Corremos o risco de confundir um bom trabalhador com um talento. Apenas porque só se analisa o seu desempenho na empresa onde trabalha – é uma análise empresocêntrica, ou seja, uma análise centrada só na empresa onde trabalha o dito talento.»

Que desafios tem a gestão das pessoas para os próximos anos, sobretudo pensando nas novas gerações que têm chegado e estão a chegar ao mercado de trabalho?

Temos pensado muito nisso. E as novas gerações estão muito ligadas à informática e às novas tecnologias. A gestão das pessoas, além de ter a preocupação de trabalhar os fatores críticos de sucesso na gestão dos recursos humanos, tem que se modernizar tecnologicamente.

A ideia de talento, ou o conceito, tem vindo a afirmar-se nesta área, dos recursos humanos, onde ao longo de décadas se falou de tantas coisas, a começar por pessoal. Poderá ser a ideia definitiva?

Todos querem ser talentos e ter consigo talentos. A moda parece que pegou e quase todos oferecem programas para gestão dos seus talentos.

Como se posiciona o senhor, com especialista nestes temas?

No que se refere ao talento, a moda parece que pegou, como referi. Mas o talento nas empresas não é bem assim. Corremos o risco de confundir um bom trabalhador com um talento. Apenas porque só se analisa o seu desempenho na empresa onde trabalha – é uma análise empresocêntrica, ou seja, uma análise centrada só na empresa onde trabalha o dito talento. O talento empresarial é outra coisa: refiro-me a forte resiliência, forte motivação e forte engagement, e o engagement é uma variável muito importante. Todos sabemos que nem todos os talentos (ou as pessoas que as empresas assim denominam) têm uma forte ligação (engagement) com a empresa onde trabalham.  

Há novos livros no horizonte?

Claro que sim: «Autogestão no Tempo». Porque o tempo não se gere – é igual para todas pessoas. Cada uma gere-se melhor ou pior no passar do tempo.

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»»»» Paulo Balreira Guerra, partner da consultora ForCEREBRUS, é licenciado em Psicologia Social e das Organizações pelo ISPA, tem um diploma de Estudos Avançados em Psicologia Social (Universidade de Cádiz), e um mestrado em Gestão Integrada do Conhecimento, Capital Inteletual e Recursos Humanos (Universidade Politécnica de Madrid) e é doutorado em Ciências do Trabalho (Universidade de Cádiz). Autor e coautor de diversos livros, escreveu com Pedro B. da Camara e Joaquim Vicente Rodrigues «Humanator XXI – Recursos Humanos e Sucesso Empresarial», num projeto que conheceu várias edições.