Desaprender

A competência mais negligenciada no reskilling

Texto: Gabriel Augusto Imagem: Freepik

Trabalho todos os dias no sector da formação e vejo como é fácil cair na tentação de acreditar que evoluir é acumular cursos e certificados, como quem enche uma prateleira sem fim. E, admitamos, até dá um certo conforto ver a estante cheia. Mas quantas vezes insistimos em atalhos que já não fazem sentido só porque nos foram úteis no passado?

É aqui que quero lançar o desafio. O verdadeiro reskilling não é acumulação, mas também desapego. Não é sobre ter sempre a última ferramenta, mas também sobre largar a chave que já não abre porta nenhuma. É a coragem de olhar para práticas que um dia funcionaram e reconhecer que hoje só atrapalham. Essa coragem é rara, porque obriga a questionar identidades, estatutos e verdades pessoais. Mas sem ela, nenhuma aprendizagem nova encontra espaço para vingar.

E esta coragem é tanto mais necessária porque o mundo já não muda em ciclos de décadas, mas em ciclos de meses. Tecnologias que hoje são promessa, amanhã tornam-se obsoletas. Modelos de gestão que marcaram gerações agora parecem caricaturas num mercado que exige agilidade. Neste contexto, a experiência é um recurso precioso, mas apenas quando usada como alicerce para evoluir. Porque ser experiente não é repetir fórmulas antigas, é reconhecer que mudar é inevitável para acompanhar a transformação do próprio mercado.

O que vejo, muitas vezes, é o contrário. Empresas que mantêm reuniões eternas quando já dispõem de ferramentas para tomar decisões mais rápidas. Docentes que repetem slides criados há 10 anos para estudantes que hoje consomem conhecimento em formatos completamente diferentes. E equipas que ainda imprimem relatórios só para os digitalizar outra vez, como se o simples ato de repetir o velho ritual fomentasse segurança. Não lhes falta formação, falta-lhes desaprender.

Desaprender não é negar o passado. É reconhecer que ele foi útil, mas temporário. É libertar espaço para que novas competências tenham onde se enraizar. E esse exercício é tão ou mais valioso do que o ato de aprender. Aliás, sem ele, aprender torna-se apenas mais um empilhar de conteúdos que não se traduzem em mudança real.

As organizações que entendem isto sabem que o futuro não se constrói com excesso de cursos, mas com ambientes onde questionar é legítimo, errar é permitido e deixar cair práticas antigas é visto como sinal de inteligência. É neste ponto que a formação deixa de ser produto e passa a ser cultura.

Do lado de quem desenha e promove aprendizagem como profissão, defendo esta convicção: o futuro não está em aprender mais, mas em aprender melhor. E isso começa, inevitavelmente, por desaprender. Mas este não é apenas um exercício individual. É sobretudo um desafio às organizações: que práticas, estruturas e certezas estão dispostas a largar para criar espaço a novos caminhos?





Gabriel Augusto
, Diretor da FLAG


A FLAG, criada em 1992 em Lisboa, é uma referência nacional de formação especializada em tecnologias associadas ao desenvolvimento de artes/ suportes visuais e interativos, nas vertentes print, web e motion. Apresenta uma das ofertas formativas mais completas do mercado em design, criatividade e comunicação.

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