Trabalho flexível
Que implicações legais para uma tendência que veio para ficar?

Finda a pandemia e reconhecidas as diversas vantagens no trabalho remoto, impôs-se uma revisão dos modelos tradicionais de trabalho – o regime presencial como único modelo para todos os trabalhadores deixará de fazer sentido.

Texto: Catarina Rego/ Rita Rocha Fotos: DR

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Com o exponencial aumento na utilização de plataformas e aplicações que facilitam a manutenção de uma comunicação regular e de trabalho colaborativo, as organizações optaram, na sua maioria, pelo trabalho híbrido, conferindo assim um maior grau de flexibilidade aos trabalhadores na forma como organizam o seu tempo.

À medida que o teletrabalho vai demonstrando ser um modelo de trabalho que chegou para ficar, começam também a surgir outros modelos de trabalho flexível, como o smart working, com maior foco na concretização dos objetivos e qualidade do trabalho em detrimento da análise estrita do cumprimento da jornada de trabalho.

A alteração das expectativas e a procura de maior conforto, assim como de medidas que fomentem o equilíbrio trabalho-família determinam que a flexibilidade no trabalho surja como um fator preponderante na aceitação de uma proposta de trabalho, especialmente para as gerações mais novas. Deste modo, as organizações necessitam, cada vez mais, de criar modelos de trabalho tailor-made para os seus trabalhadores, por forma a atrair e reter talento.

Não obstante a mudança de paradigma, a verdade é que o nosso legislador não tem conseguido acompanhar o ritmo crescente desta tendência, tendo apenas regulado o regime do teletrabalho. Assim, as organizações enfrentarão, nos próximos tempos, alguns desafios aquando da celebração de contratos de trabalho ou acordos com os trabalhadores. Neste sentido, é provável que tendam a recorrer, por um lado aos mecanismos flexíveis já previstos no Código do Trabalho para situações específicas (como é o caso dos trabalhadores progenitores) e, por outro, celebrando acordos específicos com os trabalhadores com recurso à autonomia privada das partes, individualizando-se, cada vez mais, o trabalho, por forma a satisfazer as necessidades e as exigências de cada trabalhador.

De acordo com a Harvard Business Review, para que a flexibilidade no trabalho seja funcional, as organizações devem assumir medidas específicas nesse sentido, ser inclusivas e reforçar comportamentos que fomentem os laços entre os membros da equipa, assegurando-se, assim, a manutenção da cultura da organização. Neste sentido, as boas práticas incluem:

– definir com clareza quais as medidas de trabalho flexíveis vigentes na Organização (por exemplo, teletrabalho, em regime híbrido ou 100% remoto, redução de horário, horários flexíveis, jornada de trabalho contínua, isenção de horário);

– criar um sistema de aprovação centralizado das medidas instituídas, que seja do conhecimento dos trabalhadores, visando a equidade de condições;

– assegurar mecanismos que permitam acompanhar a evolução das atividades e dos projetos de trabalho, por pares e superiores;

– realizar sessões de esclarecimento sobre as regras implementadas, de forma a prevenir o estigma associado à flexibilidade (flex stigma);

– garantir formas de trabalho diversificadas que se adequem às necessidades e preferências dos trabalhadores, zelando pela inclusão.

Atentas as mudanças acentuadas que se verificaram nos últimos três anos e as exigências das atuais e futuras gerações que, em breve, entrarão no mercado de trabalho, é necessário garantir que as organizações e os trabalhadores têm as ferramentas necessárias para usufruir dos diferentes modelos de trabalho flexível, sem prejuízo da manutenção das relações afiliativas saudáveis e do bem-estar intrapessoal, assim como de uma cultura organizacional em conformidade – sendo este o verdadeiro desafio dos próximos anos.

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»»»» Catarina Rego é consultant na SHL Portugal; Rita Rocha é associate da Vieira de Almeida (VdA)