Raquel Rebelo, da Abilways
Por uma comunidade RH arrojada e visionária

A chief executive officer (CEO) da Abilways Portugal fala-nos do que vai ser este ano a Expo RH, o mais marcante evento da área de recursos humanos (RH) no nosso país. Trata-se da vigésima segunda edição, já esta semana, a 29 e 30 de março, tendo como mote três ideias: Aprender, Partilhar, Agir.

Texto: Redação «human» Foto: DR

.

Como pensaram este ano a Expo RH?

Para a Abilways, pensar a Expo RH é sempre um exercício como se da primeira vez se tratasse. A curiosidade e o entusiasmo de ir à procura, explorar e ouvir aquilo que move as organizações, em busca do que melhor deve ser feito com e pelas pessoas, e consequentemente impacte positivamente nos negócios e nas empresas. Identificar os temas que ocupam a agenda de quem gere e desenvolve pessoas e equipas e que estarão seguramente na ordem do dia no futuro próximo, procurando dar resposta às dificuldades de hoje e antecipar tendências.

A Expo RH mantém-se fiel ao compromisso de contribuir para a construção de uma comunidade de recursos humanos arrojada, visionária e simultaneamente alinhada com aquela que é a realidade do tecido empresarial em Portugal. Na Abilways olhamos de frente para a realidade, abordando com frontalidade temas, que são por vezes fraturantes, sempre com a convicção de que é através da partilha entre os profissionais que diariamente lidam com estas questões, que seremos capazes de alcançar melhores resultados e fazer crescer pessoas e empresas.

Os tempos que vivemos, de instabilidade internacional, pressões inflacionistas e novos modelos de trabalho, influenciaram as vossas escolhas para o programa?

Claramente. O programa traduz a realidade que hoje vivemos, não são temas pensados de forma distanciada do quotidiano das empresas. O nosso objetivo é precisamente contribuir para encontrar as respostas certas e responder aos desafios com que se deparam. Por isso falamos sobre como liderar em tempos de mudança e instabilidade; como tornar a aprendizagem o elemento essencial da cultura das empresas e de que forma é que as empresas devem ser o habitat natural da aprendizagem; de como gerar confiança e torná-la aliada de equipas vibrantes por trabalharem juntas; de ética e sustentabilidade e do que isso significa no dia-dia-dia corporativo; das aspirações e expectativas dos colaboradores e de quem futuramente irá integrar o mercado de trabalho; de novos formatos de trabalho e dos desafios que acarretam; de diversidade e inclusão e da importância efetiva que têm; das dores do recrutamento e de como ver naquele que é um problema, uma oportunidade de escalar na construção de equipas multidisciplinares e multiculturais; do que é estar no mercado global.

Tudo isto, através de abordagens assentes em exemplos reais do que está a ser feito e de como está a ser desenhado o que virá a seguir. Privilegiamos o debate e a partilha de pontos de vista, o conhecer diferentes perspetivas e soluções diferenciadas na resolução de problemas concretos. Este é um programa que traduz o que observamos e bebemos do mundo que nos rodeia, sem máscaras, com verdade e também com a confiança de que o futuro vale a pena e merece ser vivido.

Como procuram inovar num evento que já ganham uma enorme força de tradição em Portugal?

Tendo em conta que o principal objetivo da Expo RH é contribuir para o crescimento pessoal e profissional dos gestores de pessoas nas empresas portuguesas, a inovação faz-se sobretudo ao nível do desenho dos conteúdos e da seleção dos oradores que convidamos para se juntarem a nós na partilha de tendências, experiências e projetos em curso ou pensados para o futuro. Temos um repto de todos os anos descobrir novas empresas e construir um painel com pelo menos metade de novos oradores.

Mas não nos ficamos por aqui. Tentamos inovar também ao nível da interação entre os participantes, incluindo dinâmicas diferentes durante as conferências que procuram criar momentos wow que surpreendam os participantes como por exemplo ice-breakers, energizers, momentos de relaxamento e descontração. E também no encerramento do evento que é habitualmente um momento marcante. Já contámos com peças de teatro, mini-concertos, entrevistas a figuras de relevo da nossa sociedade… e este ano não será diferente.

Na área de exposição desafiamos as empresas a desenharem ações de ativação das suas marcas diferenciadoras e com impacto, potenciando o networking com os profissionais.

No final de cada dia o que pretendemos é marcar e surpreender o participante e garantir que lhe conseguimos acrescentar algo de novo, contribuir para o seu desenvolvimento e ficar na sua memória.

Que análise faz do mundo português dos recursos humanos atualmente, com a evolução que tem testemunhado?

Tenho testemunhado uma enorme evolução e isso percebe-se claramente pelo perfil atual de participantes da Expo RH. Há muito que o evento deixou de ser exclusivo e fechado para os profissionais de RH e tem vindo a atrair cada vez mais gestores de pessoas preocupados em conhecer o que de melhor fazem os seus pares e prontos para por em prática junto das suas equipas aquilo que aprenderam.

As pessoas estão cada vez mais no centro da estratégia das organizações, mas ainda há um longo caminho para que estas sejam de facto o centro.

E a meu ver o caminho maior é ao nível da liderança. Temos de conseguir desenvolver lideranças muito mais próximas e empáticas, realmente interessadas nas suas equipas e naquilo que as faz felizes e que potencia o seu desempenho, ao invés de lideranças fechadas sobre si próprias com uma agenda pessoal de crescimento e ascensão que se desresponsabiliza muitas vezes pelo bem-estar das suas pessoas. Lideranças que têm um elevado nível de autoconhecimento e que estão abertas e disponíveis, também elas, para mudar e crescer. Lideranças que têm a humildade de se mostrarem humanas, vulneráveis e ‘dependentes’ das suas equipas. E quando falo de lideranças, não falo apenas das lideranças de topo. Falo de todos os que lideram outras pessoas, sejam pequenas, médias ou grandes equipas. O princípio base é exatamente o mesmo. Liderar é cuidar, é estar ao serviço de.

Consegue eleger três ou quatro questões fundamentais agora para a gestão do talento nas nossas organizações?

Os desafios que as organizações enfrentam para responder à escassez de talento no mercado de trabalho e às necessidades de desenvolvimento de novas competências e reconversão das pessoas para dar resposta ao trabalho no futuro são, a meu ver, as questões fundamentais que as organizações enfrentam ao nível da gestão de talentos.

E são precisamente estes os desafios que explorámos no Keep in Mind RH 2023, o review anual dos eixos de atuação e desenvolvimento que guiam as empresas portuguesas ao nível da gestão de pessoas que a Abilways Portugal tem vindo a publicar desde 2020 e que será apresentado por mim na abertura da Expo RH com foco em três atuações prioritárias:

– Capacitar as pessoas para aprender a aprender e reaprender e incorporar a aprendizagem ao longo da vida na organização para se manterem competitivas numa conjuntura de incerteza e de transformação.

– Envolver as lideranças na transformação das organizações em locais onde a aprendizagem acontece de forma natural, onde o acesso ao conhecimento é facilitado e a formação é colocada ao serviço do negócio, da diversidade, da inclusão, da mudança, da transformação e da agilidade. O negócio depende das pessoas e das competências que estas colocam ao seu serviço. É crucial que o objetivo maior das organizações seja provocar a experiência da aprendizagem para que esta aconteça de forma natural.

– Transformar e legitimar as equipas de formação/ L&D [learning and development] em business partners, com uma missão muito clara de alinhar a estratégia de aprendizagem com a visão e a estratégia do negócio, comprometendo as lideranças com o desenvolvimento das suas equipas e olhando para o seu papel como um serviço de aprendizagem e para o colaborador como um cliente.

Percebe a ideia já tão comentada da escassez de talento? Vê causas para a situação?

Sim, claramente. Reiterando a opinião de muitos especialistas, entendo esta escassez como uma consequência, por um lado, da aceleração da transformação digital resultante da pandemia e, por outro, da urgência da transição ecológica imposta pelos ODS [objetivos de desenvolvimento sustentável] definidos pela agenda 2030 da ONU [Organização das Nações Unidas], que colocaram pressão sobre o mercado de trabalho na procura de perfis muito novos e especializados.

Mas não só. Quando falamos de escassez de talento falamos também da escassez de perfis ágeis, que consigam mudar de rumo e ajustar-se a novas tarefas sempre que necessário. Perfis curiosos, abertos, com vontade de aprender e capacidade para desenvolver novas competências. A diminuição dos ciclos de mudança, aliada ao facto de 50% dos conteúdos técnicos ensinados nas escolas e universidades ficarem obsoletos ao fim de quatro anos, bem como a crescente e acelerada substituição das pessoas por inteligência artificial e robots na realização de tarefas rotineiras e sem valor acrescentado, tem vindo a colocar em evidência a necessidade e escassez deste tipo de talentos. E a escassez destes perfis fica a dever-se sobretudo à falta de investimento no desenvolvimento das competências comportamentais e sociais (no ensino como nas organizações), até agora colocadas sempre em segundo plano e entendidas como secundárias, mas que têm vindo a revelar-se a chave para apoiar as empresas a responder a esta mudança frenética.

Acha que se valoriza e compensa devidamente as pessoas na generalidade das organizações em Portugal?

Na generalidade acho que não, sobretudo nas funções ditas menos qualificadas e em determinados setores. Basta olhar para o salário médio nacional… Mas também acho que enquanto povo temos de mudar a nossa mentalidade e deixar de entender (ainda) a remuneração como fruto da antiguidade na função para passar a entendê-la como uma compensação pelo nosso contributo individual para os resultados. E temos claramente de continuar a trabalhar para mudar a mentalidade dos nossos empregadores, que infelizmente ainda existe em muitas das nossas empresas, onde o objetivo máximo é remunerar-se a si próprio em primeiro lugar e só depois valorizar as suas pessoas. Tem havido uma evolução e acima de tudo uma vontade manifesta de alguns gestores em valorizar e compensar melhor as suas pessoas, através de benefícios complementares à remuneração base, da flexibilização do trabalho para permitir um maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, e de uma maior aposta na formação e no desenvolvimento de novas competências e na transformação das lideranças com vista à valorização dos talentos das suas equipas, mas ainda não é o suficiente para que as pessoas estejam verdadeiramente no centro da estratégia das organizações e o mérito na base da compensação pelo nosso desempenho.

No seu caso, o que a motiva a trabalhar ligada ao capital humano?

Confesso que não foi planeado, aconteceu, mas não poderia fazer mais sentido… Sou uma pessoa de relações, que gosta de se desafiar e desafiar as pessoas com quem trabalha a ir mais longe, a explorar e desenvolver talentos e competências que não sabiam ter.

Mais do que ligada ao capital humano eu gosto de estar ligada à aprendizagem. Para mim, falar de capital humano é falar de competências, de cultura de aprendizagem e desenvolvimento. Acredito que a aprendizagem é a chave para a competitividade e crescimento das organizações. Que aprendizagem é cultura; é liderança; é bem-estar; é inovação, criatividade, transformação, mudança, adaptabilidade e agilidade; é reconhecimento, engagement. Aprendizagem é talento!

Pode partilhar dois ou três ensinamentos que a experiência nesta área lhe tenham trazido, e que a tenham marcado?

Em primeiro lugar que querer é poder e que todos nós podemos aperfeiçoar/ mudar comportamentos, mesmo os mais enraizados e vincados e que fazem parte da nossa personalidade. Com muita formação, muito treino, muito empenho, com muita vontade e uma boa dose de humildade, e acima de tudo sem nunca desistir.

Em segundo lugar que, é muito difícil, mas é possível transformar a cultura de uma organização e alinhar toda uma equipa em direção a um propósito. Exige tempo, dedicação, resiliência, formação, informação, comunicação, comunicação e muita comunicação…

E por último que não podemos reter um colaborador. Temos de fazer com que ele(a) queira ficar. Temos de garantir que se sente parte e que sabe qual é o seu contributo para o todo. Temos de lhe fazer sentido…

A gestão das pessoas, do talento, do capital humano – como queiramos referir – poderá mudar muito nos próximos anos? Consegue apontar alguns possíveis caminhos de evolução?

Acredito que a gestão de pessoas vai deixar cada vez mais de estar circunscrita aos recursos humanos e passar a ser parte integrante das funções de qualquer pessoa que lidere pessoas. Seja num projeto, numa equipa, numa área de negócio, num departamento ou numa empresa. Os líderes têm de ser gestores dos seus talentos e são eles os responsáveis máximos por potenciar e desenvolver o talento das suas equipas.

Estou certa de que o trabalho temporário, entre aspas, por projeto, vai ganhar cada vez mais espaço e que vamos deixar de ser classificados/ categorizados por funções e vamos passar a ser percebidos como pessoas com um conjunto de competências que podem e devem ser colocadas ao serviço de diferentes projetos ao longo da nossa vida.

E gostava muito que os modelos hierárquicos fossem substituídos por modelos holocráticos, mas sei que isso vai ser muito mais difícil. Exige uma mudança gigante em termos de mindset. Fomos educados para obedecer a uma hierarquia e a maioria de nós fica perdido se não tiver um chefe, para além de estarmos demasiado agarrados a títulos que são entendidos como manifestações de poder. Mas também exige uma transformação das nossas competências. Temos de melhorar o nosso espírito crítico e a capacidade de decisão, a comunicação e a resiliência na gestão da mudança. Temos um longo caminho a percorrer, mas acho que é por aqui que devemos evoluir.

.

»»»» Raquel Rebelo é chief executive officer (CEO) da Abilways Portugal, a filial portuguesa do Grupo Abilways. No nosso país desde 1998, é uma empresa europeia multiespecializada no desenvolvimento de competências e soluções de aprendizagem. Uma das suas realizações mais emblemáticas em Portugal é a Expo RH (ver aqui).