«The Great Resignation», oportunidade ou ameaça?

Nos últimos tempos, temos assistido a uma contínua referência a uma onda de demissões em massa que estão a assolar as empresas, como se algo de inesperado se tratasse, ou até mesmo imprevisível, colocando tudo em causa. A «Grande Demissão» assola praticamente todo o mundo, levando as pessoas a tomarem a iniciativa de se demitirem das suas empresas e das suas carreiras, procurando alternativas para que se sintam melhor.

Texto: Artur Narciso

.

Esta situação está longe de ser uma questão monetária, mas sim de bem-estar. Cria-se a ideia de que há um antes e um depois da pandemia em que agora todos se demitem. Mas a realidade é bem mais complexa e estamos perante uma mudança de vários anos, que teve o seu ponto de rutura e será uma realidade para continuar e para o qual as empresas devem-se ajustar, a bem da harmonia e do sucesso.

No passado, acredito que existiam muitos colaboradores numa situação de subaproveitamento crónico, ou seja, estavam na empresa, colaboravam e davam seguimento ao necessário para a sua produtividade, mas no fim do dia não se identificavam com o que tinham feito e, consequentemente, não se sentiam realizados. Faltava a «chama», o alinhamento e a identificação dos seus valores com os valores que os rodeavam. No entanto, não havia nada que os levasse a ter tempo ou necessidade e até mesmo consciência para refletir sobre a sua própria relação com o trabalho.

Surgiu a pandemia, que nos obrigou, de uma forma ou de outra, a refletir, a olhar para aquilo a que damos mais valor na vida, a definir de forma clara e hierarquizada os nossos valores e a entender que para estarmos bem temos de procurar organizações e pessoas que tenham uma hierarquia de valores idêntica à nossa. Ou seja, a famosa tempestade «The Great Resignation» esteve sempre à frente dos nossos olhos: a pandemia foi apenas o vento favorável, mas não lhe demos importância porque de uma forma ou de outra tudo acabava por decorrer dentro da suposta normalidade, apesar dos valores individuais de cada trabalhador serem muitas vezes diferentes dos envolventes, sem diálogo ou reflexão sobre o tem. Com a rutura, as pessoas tiveram tempo de refletir e entender quais os seus valores, e decidiram viver guiadas por esses valores.

É importante que as empresas façam uma forte e imediata reflexão sobre os seus valores organizacionais, para conseguirem ser atrativas no mercado de trabalho e aproveitar esta oportunidade de melhoria de produtividade.

Apesar da imagem que se cria com a «Grande Demissão», este momento é ideal para transformar a ameaça em oportunidade: as pessoas estão mais esclarecidas em relação aos seus valores e aos seus objetivos, com mais consciência do seu eu (nada melhor que este momento para criar diálogo e entender quais os valores que os seus colaboradores procuram e possuem). Desta forma, as empresas, tal como as pessoas, devem ter o seu momento de reflexão e entender os valores que pretendem para a sua identidade e os seus objetivos.

Se o desafio no passado passou por se diferenciar produtos e serviços ligando os mesmos a valores que motivavam o comprador ao consumo, hoje esse tema evoluiu e os trabalhadores procuram empresas com os quais se identificam e se sentem permanentemente bem com o que os envolve ou produzem. Esta é a oportunidade para com harmonia procuramos ser atrativos no mercado de trabalho e reter as pessoas que se identificam com os valores organizacionais, e as empresas recriarem-se com valores que são atrativos para os seus colaboradores.

O mundo mudou e vai continuar a mudar. Se hoje são as pessoas que escolhem as empresas e os projetos onde querem trabalhar e desenvolver as suas skills, haverá necessariamente mais produtividade, pois o esforço que as pessoas despendiam entre o seu eu natural e o seu eu adaptado esbate-se, é menor e, consequentemente, consegue-se fazer mais com menos. É assim importante que as empresas façam uma forte e imediata reflexão sobre os seus valores organizacionais, para conseguirem ser atrativas no mercado de trabalho e aproveitar esta oportunidade de melhoria de produtividade. É a oportunidade de termos mais com menos… Mais resultados e mais produtividade com menos indiferença e menos ruido resultante da diferença de valores.

.

»»»» Artur Narciso é chief sales officer (CSO) da BL Consulting.