Redes sociais: que liberdade de expressão e que consequências?

O crescente domínio das redes sociais é inegável, bem como as suas vantagens. No entanto, verifica-se que quem tem acesso a redes sociais, também parece ter uma liberdade de expressão quase «infindável» através do ecrã, onde aparentemente não existem consequências (pelo menos imediatas) sobre os conteúdos que se publica.

Texto: Maria João Gomes/ Marina Costa Cabral

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Esta situação dá origem a um debate contínuo acerca da ténue linha entre liberdade de expressão e conteúdo ofensivo, ameaçador ou nefasto, particularmente nesta era digital, quando a liberdade de expressão pode ser vista como permissão para disseminar desinformação prejudicial, intimidar outras pessoas ou até promover o ódio e a intolerância.

Muito também se tem discutido sobre a conjugação da liberdade de expressão do trabalhador e os reflexos da mesma no âmbito da sua relação laboral, quando em causa estão conteúdos sobre a empresa para a qual trabalha (e não só). Poderá o trabalhador, neste âmbito, publicar conteúdos que possam prejudicar a sua entidade empregadora, quer pelo seu teor, quer pela sua veracidade? A resposta a esta questão não é fácil pois estamos perante um inegável conflito de direitos em que a fixação de limites à liberdade de expressão dos trabalhadores nem sempre é evidente. 

Concretamente, imaginemos um trabalhador que decide publicar no seu perfil de uma rede social que a empresa para a qual trabalha irá promover um despedimento coletivo que abrangerá mais de metade do quadro de pessoal – quando, na verdade, a empresa está a ter resultados sem precedentes e até planeia contratar mais pessoas este ano. Como poderá o empregador reagir perante a publicação de fake news desta natureza? Colocam-se vários problemas, como (i) o acesso do empregador a este conteúdo, nomeadamente nos casos em que os perfis são privados, (ii) a autoria (terá sido efetivamente o trabalhador a publicar o conteúdo ou terá sido vítima de facejack), (iii) qual o alcance/ âmbito da referida publicação na rede social (foi vista por duas ou três pessoas ou por todos os trabalhadores e clientes da empresa) ou (iv) qual o dano – real ou potencial – que a referida publicação causou ao empregador: terá perdido trabalhadores para a concorrência, terá perdido clientes, etc.

Note-se que, ainda que o trabalhador tenha, inegavelmente, direito à sua liberdade de expressão, continua – mesmo durante os períodos de não trabalho – vinculado a deveres de respeito, urbanidade, lealdade e probidade para com o seu empregador, pelo que a bitola da avaliação da divulgação de fake news não pode perder de vista estes deveres. Mas isso não quer dizer que, automaticamente, qualquer publicação de conteúdo menos favorável seja motivo inequívoco para o despedimento com justa causa daquele trabalhador.

Os nossos tribunais têm valorado, para este efeito, elementos como os destinatários da publicação e o alcance da mesma, conteúdo da publicação e os danos concretos causados na esfera do empregador por força daquela, mas também o tema da prova de acesso às referidas publicações tem tido um grande destaque, uma vez que aquela é a pedra basilar de todo e qualquer processo desta natureza.

Por outro lado, importa não esquecer que a pegada digital é cada vez maior e basta uma simples pesquisa num motor de busca para encontrar vários conteúdos sobre uma determinada pessoa, inclusive alguns que se julgavam apagados. Poderá o conteúdo das redes sociais de um candidato a emprego influenciar o juízo dos recrutadores sobre o perfil daquele?

Efetivamente, vários estudos têm revelado que a utilização das redes sociais tem significado, para as empresas, uma alternativa para encontrar profissionais mais qualificados para as suas vagas, preencher vagas «difíceis», obter referências sobre o candidato, avaliar o «valor» desse profissional no mercado, além de possibilitar analisar um maior número de candidatos e escolher o melhor.

Na verdade, o digital é muitas vezes entendido como uma extensão daquilo que somos no off-line, com a diferença de que as atitudes aí manifestadas ficam registadas e podem alavancar (ou negligenciar) a reputação pessoal de uma forma muito rápida.

Nesse contexto, as redes sociais carregam consigo um grande valor para os recrutadores, pois possibilitam filtrar gostos, competências e aspirações que podem ser extremamente importantes num processo seletivo.

É de ressalvar, por isso, a análise crítica que os profissionais devem aplicar na exposição de comportamentos e posições pessoais, lembrando sempre que a atividade desenvolvida on-line pode deixar marcas na sua «imagem digital» dificilmente removíveis.

Hoje temos informação e recursos que antes eram impensáveis. Agora, é necessário utilizar estes recursos com orientação e objetivos claros.

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»»»» Maria João Gomes é business development consultant da SHL Portugal; Marina Costa Cabral é senior associate da Vieira de Almeida (VdA)