Igualdade de género no contexto laboral

A igualdade de género tem sido, nos últimos anos, um tema amplamente debatido, tanto pela sociedade civil como pelos representantes políticos. Em consequência, foi definido um conjunto de disposições legislativas que pretendem colmatar falhas, substituindo-se a um certo vazio jurídico.

Texto: Susana Almeida Lopes/ Benedita Gonçalves

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Foi neste sentido que, em 2017, foi aprovado o regime de representação equilibrada entre mulheres e homens nos órgãos de administração e de fiscalização do sector público e das empresas cotadas em bolsa (Lei 62/2017) e, em 2018, a obrigatoriedade de as empresas assegurarem uma política remuneratória transparente, de forma a evitar que existam ou se perpetuem casos de discriminação remuneratória (Lei 60/2018).

Assim, a diferença remuneratória, só é admissível quando assente em critérios objetivos comuns a homens e mulheres (por exemplo, mérito, produtividade, antiguidade, assiduidade, etc), sendo que, em caso de alegada discriminação remuneratória, cabe à empresa demonstrar que possui uma política remuneratória e, caso sejam detetadas diferenças remuneratórias, apresentar à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), no prazo de 120 dias, um plano de correção.

Acresce que, em 2019, o Código do Trabalho sofreu profundas alterações, inclusive em matéria dos direitos de parentalidade, passando a proibir expressamente qualquer forma de discriminação em função do exercício pelos trabalhadores dos seus direitos de maternidade e paternidade, nomeadamente discriminações remuneratórias relacionadas com a atribuição de prémios de assiduidade e de produtividade, bem como afetações desfavoráveis em termos da progressão na carreira.

O Código do Trabalho consagra ainda a igualdade de oportunidades no que se refere ao acesso ao emprego, à formação, à carreira e às condições de trabalho, e estabelece prioridade na formação ao sexo com menor representação.

É de ressalvar ainda que, em matéria de igualdade e não discriminação, é obrigatório para a empresa afixar, em local apropriado, a informação relativa aos direitos e deveres dos colaboradores, constituindo contraordenação laboral o não cumprimento destas obrigações.

Têm sido levadas a cabo diversas inspeções por parte da ACT com o objetivo, precisamente, de corrigir desigualdades.

Resta refletir sobre a medida em que tais obrigações e verificações são eficazes quanto a imbuir o valor da igualdade na vida das empresas. As ações legislativas que têm sido implementadas podem parecer por vezes excessivas, ou até mesmo contrárias às opções de mérito nas organizações. É possível que numa organização, o acaso dite que por mérito devem estar na administração maioritariamente homens, e que noutra, ao contrário, maioritariamente mulheres, e até mesmo que em determinadas profissões, seja difícil encontrar representantes de determinado género. É difícil encontrar homens como representantes de empresas de psicólogos, e é difícil encontrar mulheres representantes das forças de segurança. Nestas situações, até parece esdrúxulo implementar o sistema das quotas. No entanto:

1. É verdade que nalgumas empresas o sistema de quotas pode contrariar a meritocracia. Mas que percentagem será essa? Qual a probabilidade de, em muitas empresas, existir, devido apenas ao acaso, uma coincidência que leve a que as administrações sejam maioritariamente assumidas pelo mesmo género?

2. E mesmo que assim seja, e que essa coincidência se verifique, seremos capazes de identificar as razões subjacentes à coincidência? Será que existem enviesamentos de base, mesmo que inconscientes, que levem as organizações a darem mais oportunidades para o mérito a determinado género? Mais oportunidades de formação, de participar em projetos desafiantes, de carreira, etc.

3. E por último, por que razão temos maioritariamente psicólogas e maioritariamente forças de segurança masculinos? Não estará na altura de desenviesarmos as opções vocacionais dos nossos jovens?

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»»»» Susana Almeida Lopes é managing partner da SHL Portugal; Benedita Gonçalves é associada coordenadora da Vieira de Almeida (VdA)