Recrutamento e inclusão: uma entrevista a Paulo Azevedo

Paulo Azevedo é licenciado em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, mas mais tarde decidiu mudar-se para Lisboa e estudar numa área distinta: representação, televisão e cinema. Atualmente é orador de superação e motivação, contando já com um livro publicado em 2008: Uma Vida Normal.

Texto: Mariana Serrano

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O Paulo é portador de uma deficiência física, nasceu sem braços e sem pernas, e é hoje um dos mais influentes exemplos de vida para todas as pessoas mostrando que com força e motivação os objetivos que cada um estabelece para si, podem ser alcançados. «Eu fui a primeira pessoa com deficiências e limitações a entrar no mercado de trabalho no mundo da televisão, que é um mundo muito preconceituoso, onde muita vez prevalece [a importância dada] ao aspeto exterior, e o talento é posto de lado. Eu vi isso na primeira pessoa e senti isso na pele (…).»

Junto do Paulo procurei entender o seu testemunho, conhecimento e opinião, sobre o tema do recrutamento de pessoas com deficiências físicas, quais os principais desafios que encontram no mercado de trabalho, como fazer face aos mesmos e como se motivarem para o seu dia-a-dia profissional.

A integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, pode tornar-se um tema controverso para a sociedade no geral, como afirma o Paulo, «(…) o principal entrave que uma pessoa portadora de algum tipo de deficiência pode encontrar no mercado de trabalho é a mente humana». Estas pessoas não devem ser olhadas como «incapazes», mas sim como alguém «(…) que sim, pode ter limitações, mas é tão capaz [como uma pessoa não portadora de deficiência] (…)» e, por isso, é necessário «dar as mesmas oportunidades às pessoas com deficiências ou sem diferenças», afirma o coach.

Atualmente, existem por parte do Governo iniciativas específicas para auxiliar estas colocações no mercado de trabalho, nomeadamente em casos onde a pessoa com deficiência e incapacidade tenha perfil ajustado ao mercado de trabalho, mas não exista nenhuma oferta disponível ou ajustada às suas características, oferece-se um apoio mais personalizado e intensivo na procura de emprego ou até no desenvolvimento de outras competências de empregabilidade, segundo o Guia Prático dos Direitos das Pessoas com Deficiência em Portugal (2019).

Ainda há muito a fazer a nível de educação social para a integração e qualificação de pessoas portadoras de deficiência. Paulo Azevedo acredita que «ainda se olha para as pessoas com deficiências com sentimento de inferioridade, e ser diferente não é ser inferior. Todos nós somos diferentes (…), e a diferença existe na sociedade».

Segundo dados do Relatório de Pessoas com Deficiência em Portugal – Indicadores de Direitos Humanos 2020 (ver aqui), em Portugal, e em comparação com as médias apresentadas pela União Europeia, as estatísticas mostram que este é um tema que tem vindo a ser uma preocupação. Exemplo disso poderão ser os dados relativos à taxa de emprego que mostram que, em 2018, 58,4% dos portugueses portadores de deficiência estavam empregados. Valor este que se apresenta acima da média registada nos países da União Europeia, no mesmo período: 50,8%. 

Em Portugal, existem apoios em diversos setores para a colocação de pessoas portadoras de deficiência e importa salientar que existiram algumas mudanças significativas em 2019. É exemplo a alteração da Lei 4/2019 de 10 janeiro 2019, presente no Diário da República, que estabelece o sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%, visando a sua contratação por entidades empregadoras do setor privado e organismos do setor público.

Ainda assim, o desfasamento entre a taxa de desemprego das pessoas portadoras de deficiência, e a taxa de desemprego das pessoas sem, é bastante acentuado. Em 2018, a diferença era de 7,6 pontos percentuais, situando-se nos 11% nas pessoas sem deficiência, e nos 18,6% nas pessoas portadoras de deficiência, segundo o Relatório Pessoas com Deficiência em Portugal – Indicadores de Direitos Humanos 2020.

Dirigindo-se às empresas, o entrevistado assinala a importância destas «darem oportunidade àquela pessoa (…) de poder demostrar o seu valor. Que tem capacidades, que tem talentos. E se não tiver, ao menos, deram a oportunidade.»

Para as pessoas portadoras de deficiência e neste momento a tentar entrar no mercado de trabalho, o coach refere: «O meu principal conselho é ter coragem de concorrer e não ficarem fechados em casa.(…) É muito importante gostarmos de nós como somos, porque nós passamos a vida toda a tentar agradar aos outros e muitas vezes somos nós que não gostamos. É difícil irmos longe pessoalmente e profissionalmente quando não acreditamos em nós e no nosso valor. Por muito que o mercado de trabalho te aceite, e por muito que os teus chefes e colegas de equipa te digam que tu vais lá chegar, tu só vais lá chegar primeiro se acreditares tu, e em ti primeiro, e depois os outros.»

Na ótica dos consultores de recrutamento, acredito que deve existir a capacidade de olhar para as pessoas deixando de lado ideias pré-concebidas. Podemos marcar a diferença contribuindo com as organizações, enquanto agentes de mudança. Para tal, é necessário que exista uma maior consciencialização, que independentemente das suas características pessoais e/ ou físicas, todas as pessoas têm potencial e talento.

Acreditar em si mesmo é fundamental para as pessoas portadoras de deficiência, mas contribuir para uma sociedade e um mercado de trabalho mais justos e iguais passa também pelo trabalho e vontade dos consultores de recrutamento e das organizações em fazer diferente.

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Site de Paulo Azevedo aqui.

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»»»» Mariana Serrano é consultant na área de Recrutamento e Seleção Especializado da Multipessoal