Num tempo de opostos
Empresas «sem» pessoas precisam mais dos gestores de pessoas

Em 2020 vivemos uma disrupção sem bilhete de regresso ao passado. Juntámos cinco a seis anos de mudança em apenas cinco semanas vividas entre março e abril.

Texto: Mário Henriques

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Alguns dos conceitos que aprendemos sobre a vida, o trabalho e a própria liderança vão mudar para sempre. É por isso que acredito que grandes profissionais de recursos humanos vão-se impor nesta transformação, assumindo-se como uma referência para as lideranças e as equipas. Outros nem tanto, por vezes em nome de culturas que não reconhecem o verdadeiro papel daqueles a quem intitulam de pessoas que cuidam das outras pessoas da organização.

Estes profissionais de recursos humanos têm uma oportunidade única para manifestar uma consciência de cidadania além do normal. Para promover um forte sentido ético e de segurança com iniciativas várias, por vezes invisíveis, capazes de sustentar relações entre as pessoas, ajudando-as a:

1. ter como tópico principal de atuação das lideranças a procura da empatia e do equilíbrio das pessoas das suas equipas, as quais viram as suas casas invadidas pelo trabalho;

2. suportar uma comunicação com transparência para todos, onde o bem-estar é um objetivo central;

3. encontrar formas de incrementar a produtividade por via de uma «plataforma» de colaboração mais forte; práticas de trabalho que ajudem a ligação entre todos combatendo a regra do distanciamento físico e o isolamento;

4. integrar várias fontes de informação e ter a capacidade de «mastigar resmas de dados» destacando aquilo que é crucial para as equipas e a tomada de decisão;

5. ajudar os outros a fazerem análises criativas e multiplicarem opções de ação mantendo uma linguagem «e se»; estimular protótipos em processos de testagem imediatos para se falhar rápido e se aprender mais depressa;

6. conhecer como nunca o negócio; gerir dados do mercado e valorizar a componente analítica numa fase onde os paradigmas mudaram e a incerteza se instalou; esta é uma nova fase onde a intuição não funcionará tão bem;

7. aprender enquanto se trabalha em canais digitais, o que implica ganhar horas de agenda para a formação e a conquista de novo conhecimento; adaptar competências e testar novas tecnologias capazes de ajudar no dia-a-dia;

8. cuidar das políticas e dos protocolos de segurança e saúde na empresa; informar e treinar as pessoas; e mais que isso, inspirá-las para que cada uma cuide das outras, compreendendo que tudo começa pelos seus autocuidados e pelo comportamento individual.

As pessoas estão menos vinculadas a um local para trabalhar, e mais vinculadas a criar valor naquilo que fazem. Neste contexto existem novas rotinas que alimentam o dia-a-dia, as quais têm de criar conforto e compromisso nas pessoas, face à necessidade de atingir os resultados esperados pela organização.

Este é um contexto que pede novos argumentos das empresas para criarem laços emocionais mais próximos com as pessoas, e que contrariem o afastamento físico. Por isso é que trabalhar com propósito em tempos como estes é «inegociável». O engagement dependerá mais da experiência de trabalho das pessoas do que do local de trabalho que cada uma tem.

A cada profissional de recursos humanos cabe, igualmente, a responsabilidade de atuar como um ‘coach’ ativo e atento que combata a «solidão» das lideranças na empresa. Isso passa por ajudar diariamente quem lidera a refletir sobre os seus desafios e a identificar novas alternativas de ação. Bem como a moldar alguns estilos de atuação, adequando comportamentos a um modelo de trabalho composto por equipas remotas ou híbridas, nas quais o controlo excessivo jamais funcionará.

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»»»» Mário Henriques é managing partner do High Play Institute, uma empresa cujo foco é a melhoria da performance das pessoas e das equipas, algo que procura concretizar transformando o seu trabalho em algo positivo em que todos possam desfrutar. Com a sua base na cidade do Porto, tem projetos em diversos continentes.