O recrutamento consiste em selecionar candidatos para preencher as necessidades específicas das organizações, tratando-se de atrair um conjunto de interessados e de selecionar o(s) mais apropriado(s). Neste sentido, podemo-nos perguntar: estamos a discriminar?
Texto: Helena Manoel Viana/ Catarina Balisa
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Se os critérios de recrutamento tiverem por base um requisito justificável e determinante para o exercício da atividade profissional, em virtude da natureza da atividade em causa ou do contexto da sua execução, tal não constitui discriminação. Assim, não é considerado discriminatório o recrutamento e seleção de candidatos com maior fit à função e à cultura, por meio de critérios definidos a priori, devidamente documentados e com base na análise da função a recrutar.
Tal como também não se considera discriminação a adoção de medidas de ação positiva. Exemplo disso foi o «empurrão» que o legislador deu com a adoção em 2019 do sistema de quotas de emprego para pessoas portadoras de deficiência.
O Código do Trabalho prevê que o candidato tem direito à igualdade de oportunidades e de tratamento, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever sem uma razão justificável pelos requisitos para desempenhar a função, mas nunca em razão de fatores como a idade, o género, a orientação sexual, a etnia, a religião, convicções políticas, filiação sindical, entre outros. Quando o candidato sente que foi alvo de prática discriminatória, para além de lhe poder ser conferido o direito a indemnização, tal constitui contraordenação muito grave, que acarreta pagamento de coima, e podem ser aplicadas sanções acessórias. Se for confirmada a prática discriminatória injustificável, a organização sai penalizada, não só em termos legais, como ao nível do marketing organizacional e do employer branding.
É essencial que exista acuidade no processo de recrutamento e seleção: é necessário que exista uma fundamentação dos critérios de seleção na análise de funções, não só para proteger a organização de disputas legais como para salvaguardar o seu sucesso futuro, procurando sempre o melhor fit pessoa-função-cultura. É de salientar que a análise de funções tem três outputs, o descritivo da função, ao nível das tarefas e responsabilidades, o perfil de exigências (incluindo conhecimentos técnicos, experiência, aptidões cognitivas, sensoriais e psicomotoras) e o perfil de competências. O perfil de exigências é particularmente importante para ajudar a definir os critérios e métodos de seleção a utilizar, os quais devem ser relevantes para a função.
O perfil de exigências deve servir como uma checklist para objetivar a seleção de candidatos e ser utilizado em conjugação com o perfil de competências, que operacionaliza em comportamentos observáveis o modo «como» a organização pretende chegar aos resultados.
Há vários mecanismos que podem ser implementados pelas organizações de forma a prevenir que estas incorram em práticas discriminatórias, como a adoção de políticas internas relativas à diversidade e inclusão, de códigos de boa conduta para a prevenção e combate ao assédio no trabalho (que, relembramos, é obrigatório para as empresas que tenham sete ou mais trabalhadores), a implementação de toolkits de recrutamento inclusivo, entre outros.
Já lá vai o tempo dos recrutadores que sentiam, assim que o candidato entrava na sala, se este era o indicado ou não. Atualmente, com a evolução dos Recursos Humanos, a consciencialização para a fundamentação da tomada de decisão é cada vez mais importante e, além disso, relevante em termos legais.
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»»»» Helena Manoel Viana é associada da área de Laboral da VdA, Vieira de Almeida Sociedade de Advogados/ Catarina Balisa é estagiária na SHL Portugal