O desenvolvimento tecnológico das últimas décadas traduziu-se numa alteração considerável na forma como se trabalha. Com a banalização dos laptops e smartphones, verifica-se uma tendência crescente para os trabalhadores estarem sempre conectados, esbatendo as barreiras entre períodos de trabalho e de descanso.
Texto: Catarina Pereira/ Rui Diniz Miquelis
Surgiu assim o termo leaveism, um conceito recente aplicado às situações em que os trabalhadores usam o tempo de descanso para exercer atividades profissionais.
Sendo a tecnologia um facilitador do leaveism, uma vez que permite o acesso ao email ou a documentos em qualquer sítio e a qualquer hora, a verdade é que não representa a sua única causa. Outros fatores desempenham um papel de relevo neste fenómeno, levando a que os trabalhadores sintam a necessidade de continuar a trabalhar, ainda que tal prejudique o seu tempo de férias, nomeadamente a competitividade nos locais de trabalho e o excesso de trabalho.
É de salientar que a manutenção da atividade profissional durante o período de férias pode ter repercussões negativas, como o aumento do turnover, a diminuição da produtividade e o aumento de casos de burnout. De facto, o trabalho causa um desgaste físico e psíquico. Restringe ainda a liberdade individual, na medida em que a disponibilidade pessoal fica, de certa forma, limitada. Por conseguinte, para permitir a recuperação da energia despendida ao longo do ano, e também proporcionar um período de repouso e de lazer, possibilitando a integração na vida familiar e a participação social e cultural, o trabalhador tem direito a um período anual de férias com a duração mínima de 22 dias úteis, sem perda de retribuição.
As empresas devem encorajar uma cultura que não ignora (ou promove) o leaveism. Esta mensagem deve ser passada pela Gestão, que deve liderar pelo exemplo, desconectando-se quando em período de férias e realçando que o mesmo deve acontecer com os outros. De igual modo, deverá ser monitorizado o volume de trabalho e criada uma cultura de back-ups em que, nas equipas, os trabalhadores são capazes de desenvolver as atividades dos colegas.
É um dever do empregador permitir o gozo de férias, só podendo interromper tal período quando se verifiquem exigências imperiosas do funcionamento da empresa que o fundamentem de forma impreterível. Nestes casos, o trabalhador tem o dever de prestar trabalho, sendo que tal prestação não exige, necessariamente, a presença física no local de trabalho. O trabalhador terá direito ao pagamento de uma indemnização pelos prejuízos que sofra em virtude de deixar de gozar as férias, como custos que tenha suportado com alojamento ou deslocações. Não obstante, esta interrupção deverá permitir o gozo seguido de metade do período a que o trabalhador tem direito, por forma a garantir a regeneração da sua capacidade para o trabalho e para impossibilitar que o empregador proceda a uma nova interrupção das férias do trabalhador.
Nos termos da lei, caso o empregador não disponha de um fundamento válido que justifique a interrupção do gozo das férias do trabalhador, este terá direito a uma compensação no valor do triplo da retribuição correspondente ao período em falta, o qual deverá ser gozado até 30 de abril do ano civil subsequente.
»»» Catarina Pereira é consultant da SHL Portugal; Rui Diniz Miquelis é associado da Área de Laboral da sociedade de advogados Vieira de Almeida (VdA).