Um tríptico está originalmente associado a uma pintura composta por três partes individualizadas, integradas numa moldura única que confere unidade e sentido às partes. Para além desta conexão com o domínio artístico, com o tempo o termo passou a ser usado mais comumente como conotação para «qualquer coisa de três partes, particularmente se for uma integração para uma única unidade».
Texto: Mário Ceitil
Na conotação atribuída neste texto, a unidade referenciada é a liderança e as componentes assinaladas no título formam um conjunto coerente e integrado de práticas para o exercício consistente de uma liderança consciente e virtuosa que, no contexto de grande turbulência e incerteza em que atualmente nos encontramos pelos efeitos da pandemia Covid-19, pode, nas pessoas e nas equipas, fazer realmente a diferença entre a eficácia e a ineficácia, entre a orientação e o desnorte e, no limite, entre o bem-estar subjetivo, ainda que relativo, e o descontrolo emocional.
A sociedade tecnológica, sofisticada, confiante nos sistemas periciais e crente numa certa mística de cientificidade omnipotente, sofreu um súbito e rude golpe que catapultou para o espaço da interação humana os sentimentos mais larvares e primários de surpresa pelo inesperado, de raiva pela imposição da quebra da normalidade, de aversão à prefiguração do outro como ameaça e, sobretudo, de medo pela insegurança e pelo enfrentamento de uma possibilidade muito concreta e não metafísica da morte.
Neste contexto adverso, a necessidade de uma liderança «forte» torna-se realmente imperativa, embora não nos moldes tradicionais, segundo os quais o qualificativo de «forte» era basicamente conotado como imposição pura e simples de autoridade e disciplina rígida.
Pelo contrário, a (des)ordem atual convoca uma nova ideia de líder e de liderança, enquanto um exercício portador de um significado mais profundamente humano, que suscite o melhor que existe nas pessoas e, ao mesmo tempo, contribua para criar um sentido mais confiante e colaborativo em relação ao futuro.
Esta «nova liderança da era Covid-19», chamemos-lhe assim, substancializa-se pelo suporte de três componentes que correspondem a conjuntos específicos de ações/ competências, tendo cada um deles um sentido de finalidade próprio, embora constituam um tríptico integrado e coerente:
Contenção Trata-se da capacidade de controlar os próprios estados emocionais e, com isso, dar não só um exemplo aos outros mas, sobretudo, manter a capacidade de discernimento em ambientes tendencialmente disruptivos. É através do uso da capacidade de contenção que cada líder consegue manter cada situação «em perspetiva», não lhe atribuindo cargas emocionais nem exageradas nem irrealistas.
Compaixão De acordo com Daniel Goleman e Richard Davidson, a «compaixão implica o desejo de que as outras pessoas sejam aliviadas do sofrimento» e traduz-se na prática em atitudes de grande sensibilidade e compreensão por parte do líder relativamente ao sofrimento psicológico provocado, nos colaboradores, pelas circunstâncias adversas, tanto no contexto profissional como nas situações difíceis em que muitas pessoas se encontram no plano pessoal e familiar.
Foco Trata-se aqui de um exercício de autocontrolo de maneira a evitar que a mente própria e a dos outros se disperse em divagações inconsequentes. O líder focado consegue que a equipa e cada pessoa se mantenham com um propósito claro e mobilizador, e focadas nas coisas sobre as quais têm algum tipo de controlo, de modo a evitar a livre flutuação de ansiedades contra produtivas.
As três componentes assinaladas implicam, pela sua transversalidade, uma grande «mobilidade» das características humanas dos líderes, tornando difícil diferenciar o que é do domínio do being a leader do que é do acting as a leader.
Não sendo possível problematizar aqui essa questão, salientemos apenas que o agir de forma consistente no exercício de um papel social é já, em grande medida, ser parte dele. Porque o estar, é sempre a manifestação de uma forma de ser.
»»»» Mário Ceitil é presidente da Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas (APG). A APG é uma associação profissional de direito privado, de carácter cultural e científico, sem fins lucrativos, reconhecida pelo governo português como Pessoa Coletiva de Utilidade Pública. De âmbito nacional, congrega pessoas e organizações que se dedicam à gestão do capital humano ou exercem funções especializadas nesta área, tanto no sector público como no sector privado. Tem a sua sede nacional em Lisboa.