Sócio de uma multinacional com atuação global e que procura ajudar pessoas e empresas na transformação digital através da cultura ágil, fala do tema da agilidade, desmistificando muitas ideias feitas.
Texto: Redação «human»
De que forma podemos ilustrar o conceito de agilidade, mostrando a sua aplicação na prática?
Vamos começar pela definição de ágil. Muitas pessoas confundem agilidade com projetos velozes ou trabalhar e ser, entre aspas, rapidinho. Não que a agilidade não traga velocidade, mas é muito mais do que isso. Ser ágil não é ser rápido, é ser adaptável.
O mundo das empresas é aquele onde mais se poderá aplicar o conceito?
Não colocaria dessa forma, mas sim da forma seguinte: é onde seria mais comum encontrarmos os conceitos ágeis ou onde normalmente temos as nossas primeiras experiências. Mas posso afirmar que uma vez em contacto com a cultura e as suas ferramentas, os agilistas aplicam os seus conhecimentos tanto nas organizações como nas suas vidas pessoais.
O mal do século XXI para o knowledge worker é que a demanda é sempre muito maior do que a nossa capacidade de entrega. Logo, quando falamos de cultura ágil, priorização não é opcional. Toda e qualquer lista maior ou igual a dois itens tem que ser priorizada. Isso vale para tarefas nas organizações e também nas nossas vidas privadas.
Se pensarmos concretamente na gestão das pessoas, o que poderemos dizer?
Agilidade é cultura e não ferramenta. Segundo a World Economic Forum, das 10 competências do futuro nenhuma é técnica, todas são comportamentais (soft skills). E já que agilidade é cultura, a guardiã de tudo isso deveria ser a área de recursos humanos. Logo, chegou a hora de nós, dos recursos humanos, deixarmos de ser uma área de serviços e passarmos a ser a área de maior importância nas organizações, uma área extremamente estratégica.
De qualquer forma, quando falamos em pessoas nas organizações, estamos a tocar as mais variadas áreas. Tudo poderá começar pelos recursos humanos? Ou não?
Não podemos negar que a agilidade pode ter nascido ou verdadeiramente virado febre nas áreas de tecnologia. Mas agilidade é uma nova cultura, onde trabalhamos com foco no que é mais importante, em ciclos curtos e melhoria contínua. Hoje isso já é uma realidade em tecnologia, mas também em outras áreas das empresas.
Entendemos que a área de recursos humanos é a guardiã da cultura da empresa e não uma tomadora de pedidos. Deve promover flexibilidade, adaptabilidade e inovação para apoiar incondicionalmente a experiência do colaborador.
Através do «Manifesto de RH Ágil» [www.agilehrmanifesto.org], estamos descobrindo maneiras melhores de desenvolver uma nova cultura e, assim, passamos a valorizar: mais redes colaborativas e menos estruturas hierárquicas; mais transparência e menos sigilo; mais adaptabilidade e menos prescrição/ rigidez; mais inspiração e engajamento e menos gestão; mais motivação intrínseca e menos recompensas extrínsecas; mais desejo e menos obrigação; mais humanos e menos recursos.
Como trabalham a agilidade na vossa organização?
Somos verdadeiramente uma empresa ágil. Não temos hierarquia ou chefes, decidimos quando e onde trabalhar, trabalhamos com inteligência coletiva, temos autonomia de decisões, as promoções (e aqui coloco promoções entre aspas) são definidas pelas equipas, sempre preocupadas com comportamentos desejados. Inclusive é a equipa que contrata ou desliga um colaborador, sendo que o processo é coletivo e humanizado.
Trabalhamos pensando e praticando a melhoria contínua, focados na satisfação dos nossos alunos e clientes e com isso, temos um ambiente seguro para experiências, falhas e aprendizagem (fail fast, learn faster).
Pode dar-nos alguns exemplos práticos do vosso trabalho nas empresas?
A Knowledge21 é uma multinacional com atuação global, trabalhamos basicamente ajudando pessoas e empresas na jornada da transformação digital através da cultura ágil. Via treinos (abertos ou in company) ou consultoria.
Que experiência acumulada já existe no que diz respeito a agilidade. Não me refiro à vossa experiência, mas a todo um ‘background’ que se foi construindo com contributos o mais diversos possível, um pouco por todo o mundo?
As maiores empresas do mundo são ágeis, e não seriam as maiores se não fosse pela agilidade. Agilidade não é moda, é a forma de interagir com os trabalhadores da era do conhecimento.
Onde começou a ideia de agilidade?
O nome «ágil» (ou «agilidade») foi escolhido para representar um movimento que surgiu em meados dos anos 90 do século passado em resposta aos pesados métodos de gestão de desenvolvimento de software que predominavam na época, chamamos «métodos tradicionais».
Os métodos tradicionais são fortemente prescritivos e, de forma geral, caracterizam-se pelo foco em planos detalhados definidos no princípio do projeto, como custo, finalidade e um cronograma detalhado, em microgestão, no poder centralizado, em processos cada vez mais complicados e em extensa documentação. As mudanças são fortemente indesejadas. Acreditava-se que, pelo uso desses métodos, seria possível tratar o desenvolvimento de software como um processo previsível, no que, quanto mais falhavam, mais pesados e complexos esses métodos se tornavam.
Este conceito é de facto algo para o nosso tempo?
Quase tudo o que aprendemos e colocamos em prática foi criado para o trabalhador da era industrial. Tudo começou com Taylor, Fayol e Gantt (entre outros) quando foi criada a Teoria da Administração Moderna e o Comando e Controlo. Durante mais de um século (de 1896 até à primeira década do novo milénio), trabalhávamos considerando o ser humano um recurso, e vem daí a origem do nome da área, recursos humanos. Criámos regras e procedimentos de como se comportar, trabalhar, o que fazer para ser promovido, o que não fazer, e até uma área de compliance foi criada. Pois bem, hoje vivemos na era da economia criativa, entrámos na era do conhecimento.
Nós, trabalhadores do conhecimento, não estamos mais preocupados somente com estabilidade, um bom salário e promessas de excelentes bônus (motivações extrínsecas). Focamos em propósito, autonomia e maestria (motivações intrínsecas).
Partindo deste facto, vivemos uma nova era. A agilidade surge para se adaptar ao trabalhador do conhecimento e a todas as suas aspirações e todos os sus desejos. Para se adaptar ao consumidor/ cliente na era do conhecimento. Ou seja, agilidade não é moda, é o novo modus operandi desta economia criativa.
Se a organização de uma pessoa não está fortemente preocupada em como se adaptar a esta realidade, essa pessoa deve ficar preocupada.
As gerações mais jovens que chegam ao mercado de trabalho adaptam-se facilmente a tudo isto?
Esta geração já nasceu ágil, pois foi forjada na economia criativa, nós é que temos que nos adaptar.
Acredita que as universidades preparam realmente jovens para esta filosofia?
Já existe um consenso de que muita coisa está ultrapassada, inclusive professores. Vemos movimentos bem interessantes para se adequar a esta realidade, afinal a Teoria Moderna da Administração foi criada em 1896.
DESTAQUE
«A agilidade não está em post-its.»
Andre Bocater Szeneszi entende que «a tradicional área de recursos humanos focada na implementação de regras, padrões, políticas e controlos morre». E explica: «Morre porque ficamos rígidos. Porque viramos gargalo. Porque nos escondemos atrás das mesmas regras e políticas que criámos. Porque não estamos colocando o cliente como foco das nossas ações. E, não menos importante, o negócio não mais esperará ou aceitará que as nossas muletas (normas e procedimentos) atrapalhem a rápida adaptabilidade que o mercado espera. Dito isso, a agilidade na área de recursos humanos não está em post-its colados nas paredes, em cerimónias do Scrum, em ter Product Owner e Scrum Master ou em simplesmente chamar uma a equipa squad. Está 100% relacionada com uma nova cultura através do mindset ágil. Mas é muito mais profundo do que isso. É a oportunidade de a área de recursos humanos finalmente deixar de ser apenas uma área de serviço, para assumir o protagonismo nas organizações, tornando-se assim extremamente estratégica.»
»»» Andre Bocater Szeneszi, empreendedor, headhunter, apaixonado por pessoas e pela cultura ágil, é formado em Administração pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, com especialização em Finanças pela Pontificia Universidad Católica de Buenos Aires, Gerenciamento Estratégico pela Universidad de Belgrano, Petróleo pelo Instituto Tecnológico de Buenos Aires e Strategic Planning & Decision Making pela Berkeley University. É professor na Fundação Getulio Vargas, no Brasil, sócio da Knowledge21, uma multinacional de formação e cultura Ágil, e fundador da startup wBrain.