Recrutamento em Portugal

Será que a escassez de talento é mesmo uma realidade com que se confrontam as empresas no recrutamento? E que sectores se destacam como aqueles onde a dificuldade em recrutar e em reter é maior?

Texto: Miguel Toscano

 

Falar de escassez de talento, depende da geografia em que trabalhamos. Se pensarmos que estamos na sociedade do conhecimento, onde as últimas gerações X, Y e Z (em idade ativa) são as mais formadas e capacitadas, e se considerarmos que competimos numa economia globalizada onde há uma liberdade na mobilidade de fatores de produção, então não há escassez de talento. Há é incapacidade de as pequenas e médias empresas (PME) nacionais potenciarem o mercado mundial de talentos a seu favor. Se a geografia é a nacional e a arena da competição é o mercado endógeno então de facto temos um problema entre mãos. Por quê? (1) O talento existe mas está mal distribuído; (2) quem produz competências não é suficientemente rápido para alimentar as necessidades das empresas; (3) se não existir uma estratégia de eficiência coletiva de tripla hélice (Estratégia Europa 2020) que integre as PME com a academia e com as autarquias, a região que vive num contexto de baixa taxa de desemprego, face a um incremento de investimento, não conseguindo captar talento, o seu ecossistema empreendedor jamais será competitivo e acabará por morrer ou por deslocalizar-se.

Por isso entendo que há responsabilidades partilhadas entre o sector privado e o sector público. É necessária (1) uma nova atitude que potencie o trabalho em rede, (2) clusterizar para ganhar escala e (3) criar fatores distintivos assentes na identidade geográfica, na cultura, na existência de boas academias e escolas, promover a segurança ou desenvolver infraestruturas sociais que potenciem a angariação de talentos para as regiões mais desequilibradas na gestão de talento.

 

Sectores com maior dificuldade em recrutar e em reter

Considerando a atividade do Grupo Norte em Portugal, as nossas equipas de recrutamento e seleção estão mais pressionadas em sectores que têm vindo a crescer a um ritmo elevado nos últimos três anos, como (1) turismo e hotelaria, face ao investimento de grandes cadeias nacionais e internacionais, decorrente da maior segmentação deste mercado, (2) da indústria e logística, face ao processo de reindustrialização em curso, principalmente à custa de IDE apoiado pelo Portugal 2020 e fundos comunitários, (3) da reorganização do sector agrícola de base exportadora em determinadas regiões que apostaram num modelo de clusterização e que necessitam de mão-de-obra pouco qualificada (sendo trabalho que o português já não está disponível para realizar), e, essencialmente, (4) em sectores intensivos em conhecimento cuja velocidade de desenvolvimento da inovação técnica e tecnológica é brutal.

Como consequência, temos uma maior pressão sobre os salários e essencialmente sobre o sistema de educação/ formação, que não consegue responder a estas necessidades e à velocidade desejada. Daí a importância de empresas como o Grupo Norte, com equipas focadas nestas dinâmicas e com capacidade para angariar talentos no mercado mundial ou para construir projetos partilhados de educação/ formação, de forma a produzir-se competências alinhadas com as necessidades das empresas numa lógica SPIN (+ especializada + curta duração) e, preferencialmente, sejam cada vez mais inclusivas e multiculturais potenciando as políticas de responsabilidade social e employer branding.

 

A nossa experiência

A experiência de recrutamento do Grupo Norte em Portugal no primeiro semestre pautou-se já por alguma escassez de candidatos devidamente formados, capacitados e com as skills comportamentais alinhadas com as necessidades dos nossos clientes (e aqui reside muito do problema da equação). No entanto, mesmo neste cenário de dificuldade temos vindo a conseguir a atingir os nossos objetivos.

Para mim, para além do problema da escassez, o principal problema continua no estereótipo/ mindset dos responsáveis das políticas de recursos humanos que sentimos mais nas PMEs orientadas para a procura interna, que têm de alterar a sua visão sobre a forma como gerem o capital intelectual (o seu maior ativo) e criar a capacidade de desenvolver uma cultura organizacional virada para o Acreditar – Apre(e)nder – Empreender, apostando mais na formação contínua e em mecanismos de aprendizagem ao longo da vida, assim como no desenvolvimento de um salário emocional.

As empresas não podem continuar a exigir, num contexto de baixo desemprego e numa geografia desequilibrada na produção de talento, que apresentemos candidatos que tenham de falar francês, dançar a valsa e tocar piano, e depois oferecer o «salário mínimo». Milagres era no tempo de Cristo, e isso foi há mais de 2.000 anos. Necessitamos de mais líderes e menos chefes e de novas políticas na gestão das pessoas. Se assim não for, estas empresas vão passar muito mal. Vão continuar a ter escassez de recursos e a perder negócio todos os dias.

Agora, todos os que apostarem na mobilidade para angariar talento, na formação contínua para desenvolver talento, em planos de carreira para fidelizar o talento, e em projetos que permitam desenvolver de forma integrada as competências profissionais, sociais e pessoais dos seus colaboradores, esses vão ter uma maior capacidade para reter talento e não irão ter problemas de maior.

 

 

Miguel Toscano é country manager do Grupo Norte em Portugal. O Grupo Norte é um grupo empresarial de capitais espanhóis, sólido, moderno e socialmente responsável, com uma experiência acumulada de mais de 40 anos na oferta de soluções globais e integradas de gestão estratégica e operacional de recursos humanos. Compromisso, proximidade e inovação constituem as principais características distintivas da sua proposta de valor. Este projeto, que nasceu em 1972 como uma pequena empresa familiar dedicada à área das limpezas, transformou-se numa empresa com posição de destaque em serviços integrados, especialista em criar soluções que possam acrescentam mais valor ao negócio dos seus parceiros. Tem presença nos mercados de Espanha, Chile, Perú e, desde 2017, Portugal.

 

 

Nota: foto DeF