Carlos Correia
«O meu corpo é o que está mais à mão.»

Considerado um dos mais interessantes artistas da cena contemporânea em Portugal, Carlos Correia (n. Lisboa, 1975) diz que a sua ligação à pintura não foi uma escolha. Simplesmente aconteceu-lhe, para o bem e para o mal. Numa entrevista de perguntas e respostas rápidas, partilha que a primeira memória que tem de pintura é de si próprio, em criança, a desenhar.

Por Francisca Rodrigues

 

Como defines a sua ligação à arte?

Não foi uma escolha. Aconteceu-me. Para o bem e para o mal.

Como é que começou?

Como toda a gente, desenhava em criança… A primeira memória que tenho de pintura sou eu a desenhar a partir das formas generosas das mulheres de Rubens.

Consegue olhar para o seu percurso e sintetizá-lo?

Aprender a levar porrada e levantar-me com mais força. Não é fácil. Mas quando é bom, é muito bom.

Lembra-se do seu primeiro quadro?

Lembro-me dos primeiros quadros, que fiz com vontade de querer ser pintor. Estão em casa dos meus pais.

Qual foi o ano mais importante da sua vida?

Foi o ano do nascimento da minha filha (apesar de eu ter duas).

E da sua carreira?

Talvez tenha sido 1990, quando senti pela primeira vez o cheiro de uma tela de linho – comprada numa loja de material de pintura na Baixa de Lisboa, uma loja que infelizmente já não existe.

O que faz além de pintar?

Escrevo. Dou aulas. E sou pai, e também dona de casa.

Como convive com os elogios à sua obra?

Com alegria, com responsabilidade e também com algum desconforto.

Por que é que aparece tanto nos seus quadros?

O meu corpo é o que está mais à mão.

Trabalhas num atelier?

Sim. Da janela consigo ver a Basílica da Estrela, mas não vejo o chão, de tão desarrumado que está.

Tem pena de se separar das suas criações?

Tenho. Por vezes tenho muita. Mas a falta de espaço e de dinheiro diz-me que não devo ter. E eu não pinto para mim. Pinto porque tenho de pintar. Se as obras forem saindo, é porque está tudo certo.

Há alguma que guarde, que não venda nem por nada?

Sim, algumas.

De onde vêm os títulos das obras e das exposições?

Do mesmo sítio de onde vêm as obras: de dentro, da história da pintura, das leituras, da música, do que vejo quando olho em frente.

Contas histórias com o que faz?

Uma vez que a escrita vai ocupando um lugar cada vez maior no meu trabalho, vou contando menos histórias com a pintura. Com a pintura conto histórias de cor e composição.

Lembra-se do primeiro dinheiro que ganhou com a arte?

Sim, lembro-me muito bem. Gastei-o não em material de pintura, mas em livros de arte. Tenho muitos.

Como olha para o futuro?

Só posso olhar com vontade de nele mergulhar, senão nem sequer olhava.

Tem um artista de eleição?

Tenho muitos. Vou dizer os primeiros três que me vierem à cabeça: Paolo Veronese, Philip Guston e Francis Picabia.

E um quadro ou outra obra que o tenha marcado especialmente?

«As Bodas de Caná», de Paolo Veronese, que está no Museu do Louvre. E «Persona», de Ingmar Bergman.

O que é que o inspira?

As pessoas que vão construindo a minha vida. E os tubos de tinta, o cheiro das telas de linho, os livros.

Falou de a escrita ter vindo a ocupar um lugar maior no seu trabalho. Quando é que percebeu isso?

Os livros e a escrita têm realmente ganho importância. Em 2012 criei a editora de livros de artista LOSSOFAURA, uma brincadeira com «loss of aura», de Walter Benjamin. Aí já editei 14 livros.

Como tem corrido essa experiência?

Alguns dos livros estão nas coleções da Gulbenkian, do MAAT, da PLMJ…

Mas a escrita para si não se resume a esses livros?!

Não, para além do doutoramento em «Belas Artes – Pintura» estou a fazer uma pós-graduação em «Artes da Escrita». E o que escrevo vai sendo dado a ler, sem pressas.

Algo diferente dos livros da LOSSOFAURA…

Sim, esses são livros de artista, como referi, são peças únicas, essencialmente com trabalho visual. Alguns contam com textos de outras pessoas – críticos, historiadores, ensaístas… –, sempre sobre o meu trabalho. Dos 14 só escrevi em dois.

 

 

»»» Carlos Correia nasceu em Lisboa em 1975, tendo estudado na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha. Além de um doutoramento em «Belas Artes – Pintura», na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL), está a fazer a pós-graduação «Artes da Escrita», na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da mesma universidade. Teve no início deste ano uma exposição («Devir») no Porto, na Galeria Pedro Oliveira. O professor catedrático e crítico de arte Bernardo Pinto de Almeida considera-o «um dos mais interessantes artistas da cena contemporânea em Portugal».