Seguir os trilhos da água

Em Lisboa é possível percorrer o caminho traçado pela água, obra do génio humano. Partindo da ideia de que numa grande cidade tem de haver água sadia e em abundância, o monumental Aqueduto das Águas Livres, o Reservatório da Mãe d’ Água (nas Amoreiras) e o Reservatório da Patriarcal (em São Pedro de Alcântara) são os três pontos-chave de um passeio fascinante e inesperado.

Por Francisca Rodrigues

 

A partida é junto ao portão do Liceu Francês, seguindo para a zona do aqueduto, onde se pode percorrer cerca de 900 metros, o que corresponde ao Vale de Alcântara. A vista é ampla e muito bonita sobre o Monsanto, a zona ribeirinha da capital e a Ponte 25 de Abril sobre Rio Tejo. A entrada para o troço do aqueduto faz-se a partir do Bairro de Campolide, na fronteira com o Bairro da Calçada dos Mestres.

Depois chega a caminhada urbana, até ao Jardim das Amoreiras, onde em tempos funcionou a Real Fábrica das Sedas (o edifício acolhe hoje a Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva). Chega-se ao Reservatório da Mãe d’Água, que para além de estar bastante bem conservado possui um terraço que é um autêntico miradouro a 360 graus sobre Lisboa, com uma vista deslumbrante.

Passados cerca de 45 minutos, desce-se até ao Largo do Rato, com paragem junto ao chafariz que faz parede com os jardins da Procuradoria Geral da República. Uma breve explicação e  de seguida percorre-se a Rua da Escola Politécnica até ao Jardim do Príncipe Real. É aí que fica o Reservatório da Patriarcal, local único na sua beleza e na arquitetura. Inúmeros arcos num espaço bastante pequeno, com um elevadíssimo grau de humidade, são o culminar de um passeio pelos trilhos da água, ali tão perto de nós e ao mesmo tempo, no apressado dia-a-dia de Lisboa, tão distantes, tão esquecidos, como se não existissem. Mas existem, com a água sempre a correr.

 

Três pontos-chave

»»» Aqueduto das Águas Livres

Construído entre 1731 e 1799, por determinação régia, trata-se de um vasto sistema de captação e transporte de água, por via gravítica. Classificado como monumento nacional desde 1910, é considerado uma obra notável da engenharia hidráulica. A sua concretização implicou o recurso às nascentes de água das Águas Livres, integradas na bacia hidrográfica da Serra de Sintra, na zona de Belas, a noroeste de Lisboa. O trajeto escolhido coincidia, em linhas gerais, com o percurso do antigo aqueduto romano. A sua construção só foi possível graças a um imposto denominado Real de Água, lançado sobre bens essenciais como o azeite, o vinho e a carne. O sistema, que resistiu ao terramoto de 1755 é composto por:

– um troço principal, de 14 quilómetros, com início na Mãe de Água Velha, em Belas, e final no reservatório da Mãe de Água das Amoreiras, em Lisboa;

– vários troços secundários destinados a transportar a água de cerca de 60 nascentes;

– cinco galerias para abastecimento de cerca de 30 chafarizes da capital.

No total, o sistema do Aqueduto das Águas Livres, dentro e fora de Lisboa, atingia cerca de 58 quilómetros de extensão em meados do século XIX, tendo as suas águas deixado de ser aproveitadas para consumo humano a partir da década de 1960. A extraordinária arcaria do Vale de Alcântara, numa extensão de 941 metros, é composta por 35 arcos, incluindo o maior arco em ogiva em pedra do mundo, com 65,29 metros de altura e 28,86 de largura.

O Museu da Água promove e dinamiza visitas livres e guiadas à arcaria do Vale de Alcântara.

»»» Reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras

A entrada em Lisboa do Aqueduto das Águas Livres, marcada pelo arco da Rua das Amoreiras, da autoria do arquiteto húngaro Carlos Mardel, entre 1746 e 1748, fechou-se no Reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras. A cisterna conheceu três plantas, apresentando um projeto inicial cuja implantação incluía mais três arcos, levando o edifício até à face norte do Largo do Rato. No projeto final, o reservatório surgiu simplificado com a diminuição do número de tanques e da carga decorativa exterior.

Após a morte de Carlos Mardel, em 1763, o reservatório final do aqueduto, iniciado em 1746, ainda estava por concluir. A obra foi retomada em 1771, por Reinaldo Manuel dos Santos, que introduziu algumas modificações ao plano inicial. As principais alterações fizeram-se sentir na cobertura do edifício, na cascata e na substituição das quatro colunas toscanas, projetadas por Carlos Mardel, por quatro robustos pilares quadrangulares.

A obra do reservatório, apesar de ter sido várias vezes retomada, mesmo após a morte de Reinaldo Manuel dos Santos, em 1791, só viu terminados o remate da cobertura e mais alguns pormenores em 1834, já durante no reinado de D. Maria II.

Atualmente, o Reservatório da Mãe d’Água apresenta-se como um espaço amplo, luzente e unificado, sugerindo o seu interior a planta de uma igreja Estilo Salão, propondo a sacralidade do espaço. A água das nascentes jorra da boca de um golfinho sobre uma cascata, construída com pedra transportada das nascentes do Aqueduto das Águas Livres, e converge para o tanque de sete metros e meio de profundidade, que apresenta uma capacidade de 5.500 metros cúbicos. Do tanque emergem quatro colunas que sustentam um teto de abóbadas de aresta, que por sua vez suporta o magnífico terraço panorâmico sobre a cidade de Lisboa. Na frente ocidental do reservatório encontra-se a Casa do Registo, local onde em tempos se controlava os caudais de água que partiam para chafarizes, fábricas, conventos e casas nobres.

»»» Reservatório da Patriarcal

Instalado no subsolo do Jardim do Príncipe Real, o Reservatório da Patriarcal, também denominado Reservatório da Praça de D. Pedro V, foi projetado em 1856, integrado no projeto de abastecimento de água a Lisboa do engenheiro francês Louis-Charles Mary. Programado para abastecer a zona baixa da cidade, foi construído entre 1860 e 1864. A sua forma octogonal coincide com a do polígono representado pelo gradeamento de ferro em volta do lago que está localizado sobre o depósito, no centro do Jardim do Príncipe Real.

A cisterna, inicialmente abastecida pelo Aqueduto das Águas Livres e a partir de 1833 pelo Sistema Alviela, foi edificada em alvenaria de pedra, sendo composta por dois compartimentos com capacidade para 884 metros cúbicos de água. A função principal deste reservatório foi a regulação da pressão entre o Reservatório do Arco (na Rua das Amoreiras) e a canalização da zona baixa da cidade. Os 31 pilares de 9,25 metros, com diferentes larguras, suportam os arcos em cantaria, que por sua vez sustentam as abóbadas. Sobre as abóbadas assentou a bacia (lago) munida com o repuxo. Tanto o lago como o repuxo estariam destinados a arejar as águas antes de estas entrarem no depósito. A água repuxada entrava no reservatório através de quatro aberturas colocadas no fundo da bacia, munidas com tubos que se prolongavam até à superfície da água e que funcionavam como escoadouros.

Partem deste reservatório três galerias subterrâneas:

– a primeira rompe da parede de leste (à altura de três metros do fundo) e vai encontrar a Galeria do Loreto; era responsável pelo transporte de água do Reservatório do Arco;

– a segunda, localizada por baixo da primeira, segue até à Rua da Alegria;

– a terceira parte da parede do lado ocidental em direção à Rua de São Marçal; abastecia a zona poente de Lisboa.

O Reservatório da Patriarcal foi desativado no final dos anos 40 do século XX. Desde 1994 está integrado no Museu da Água, que promove e dinamiza visitas livres e guiadas ao espaço.

 

Mais informações em http://www.epal.pt (ver Museu da Água).