Capital humano na administração pública

É necessário investir na construção de um sistema de gestão dos serviços liderado por uma equipa coesa de dirigentes que partilhem e comuniquem com clareza uma visão de futuro. Dirigentes que tenham a capacidade de, com a participação das pessoas que gerem e com os seus parceiros, desenvolverem proactivamente estratégias, objetivos e programas de atuação focalizados em resultados. E que tenham capacidade de implementá-los com sucesso, mobilizando as pessoas, proporcionando oportunidades de aprendizagem, de desenvolvimento de competências, de partilha de conhecimento e de experimentação. Para que encontrem novas formas de criar valor.

Por Fátima Fonseca

 

Ninguém ousaria hoje em dia negar que a gestão das pessoas está no coração de qualquer organização, pública ou privada. Mas os últimos anos trouxeram desafios acrescidos para as organizações públicas que ousaram deixar a gestão administrativa de recursos humanos para adotarem uma gestão estratégica das pessoas, em alinhamento com a estratégia organizacional focada no cumprimento das missões de interesse público. Depois de várias décadas de debate sobre a modernização da administração pública, muitos anos de formação de trabalhadores e dirigentes para os capacitar para novas metodologias de gestão, nos últimos anos as condições de contexto têm sido particularmente duras. Não só os incentivos para os trabalhadores públicos foram reduzidos ou eliminados como, inclusivamente, as regras basilares do contrato de confiança entre trabalhadores e a sua entidade empregadora têm sido postas em causa. Desde a estabilidade dos contratos até ao próprio valor das remunerações. Convenhamos, falar em capital humano na administração pública neste contexto quase parece música celestial.

Mas as óbvias dificuldades que a administração pública enfrenta nesta área não podem desmobilizar-nos. Pelo contrário. Faz mais sentido do que nunca falar em capital humano, porque isso significa assumir o compromisso de centrar qualquer modelo de gestão na criação ativa de condições para minorar os impactos adversos do contexto e fazer apelo à criatividade para construir ambientes de trabalho mobilizadores. E o facto é que, mesmo num contexto visivelmente adverso, é possível adotar práticas de gestão das pessoas que permitam às organizações públicas funcionar de forma adequada.

Temos tido essa experiência na Câmara Municipal de Lisboa. Acreditamos que é possível gerir a administração pública e geri-la bem. E muito do poder para fazer as coisas bem está precisamente nas mãos das pessoas, dos dirigentes e dos trabalhadores.

O que é necessário é investir na construção de um sistema de gestão dos serviços liderado por uma equipa coesa de dirigentes que partilhem e comuniquem com clareza uma visão de futuro e que tenham a capacidade de, com a participação das pessoas que gerem e com os seus parceiros, desenvolverem proactivamente estratégias, objetivos e programas de atuação focalizados em resultados, e que tenham capacidade de implementá-los com sucesso, mobilizando as pessoas, proporcionando oportunidades de aprendizagem, de desenvolvimento de competências, de partilha de conhecimento e de experimentação, para que encontrem novas formas de criar valor.

Na área da gestão das pessoas a aprendizagem individual dos dirigentes constitui em boa parte o cerne da mudança, atentas as suas especiais responsabilidades de liderança e gestão. É essencial que todos os dirigentes compreendam e desenvolvam o seu papel de gestores de pessoas como uma das suas responsabilidades centrais e invistam nesse domínio.

Mas é também necessário a aprendizagem dos próprios trabalhadores, é necessário que interiorizem novas metodologias de trabalho e participem ativamente na vida da sua organização, identificando necessidades, ajudando a decidir sobre a melhor forma de as satisfazer, participando no processo de implementação dos projetos, e percebendo, depois, o grau de sucesso das iniciativas para identificar melhorias a adotar. Trazer as pessoas para a vida da organização significa, em suma, deixar de tratá-las como sujeitos passivos de ordens, diretivas, despachos e decisões e criar espaço para, com elas, codesenhar, codecidir, coproduzir, coavaliar.

A excelência e a inovação na gestão têm tanto de focalização no resultado desejado e nos processos a ele conducentes como de atitude dos seus protagonistas. Assim, independentemente das buzzwords da gestão, o que importa é não perdermos de vista a verdade das coisas simples: são as pessoas, com a sua visão e a sua capacidade de atuação, que determinam a excelência de uma organização, e isso é verdade tanto no público como no privado.

 

Fátima Fonseca é diretora municipal de recursos humanos da Câmara Municipal de Lisboa. Publicou, em coautoria, o livro «Administração Pública – Modernização, Qualidade e Inovação» (Edições Sílabo, Terceira Edição).