Não deixa de ser interessante o resgate do acrónimo VUCA para caracterizar a atual conjuntura das organizações globais. Criado originalmente no contexto militar norte-americano no final da Guerra Fria, o termo procurava descrever ambientes marcados por volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade. Décadas depois, VUCA volta ao centro do debate organizacional, não por nostalgia conceptual, mas porque traduz com precisão o estado permanente de transformação que empresas e líderes enfrentam.
Texto: Inês Teles Palhinha Imagem: Freepik
O conceito VUCA [volatility, uncertainty, complexity e ambiguity ] não reside apenas na sua aplicabilidade, mas na urgência de compreender como as organizações podem responder a esta nova condição estrutural, sinalizando um esforço coletivo de ajustamento, e reconhecer que já não é possível gerir com pressupostos do passado.
De acordo com o «Relatório sobre o Futuro do Trabalho 2025», do Fórum Económico Mundial, os principais fatores que irão moldar o mercado de trabalho global até 2030 incluem cinco forças principais: evolução tecnológica, fragmentação económica, incerteza do mercado, alterações demográficas e transição verde.
Segundo o estudo, estas alterações devem gerar 170 milhões de novos empregos até 2030, destituindo 92 milhões a nível mundial. Apesar de representar um saldo positivo de 78 milhões de novas oportunidades de emprego, há uma preocupação significativa dos empregadores com a lacuna ao nível de competências das pessoas, sendo apontada como o principal obstáculo à transformação.
Com o cenário acima como pano de fundo, muitas organizações estão a rever a sua estratégia para responder aos desafios atuais e futuros e não é possível falar de estratégia sem falar de cultura.
Entenda-se por cultura organizacional o conjunto de valores, crenças, hábitos e comportamentos que são partilhados numa empresa.
A cultura molda tudo, desde as normas de tomada de decisão, como se responde aos desafios, até ao compromisso dos colaboradores e à perceção da marca no mercado, influenciando diretamente a forma como a organização se posiciona e evolui. Quando a cultura não é gerida adequadamente, as organizações não perdem apenas a confiança, perdem tração.
Mas como se gere ou muda a cultura de uma organização?
A cultura ainda é frequentemente tratada como resultado, não como infraestrutura. Como marca, não como comportamento. São lançadas comunicações internas sobre visão, missão e valores e são disponibilizados programas de bem-estar. Acredita-se que a cultura reside na mensagem, mas a cultura não muda simplesmente dizendo às pessoas para mudar. A cultura muda quando há congruência entre o que é dito e o que é vivido, quando é moldada por experiências vividas – os momentos diários que indicam o que é valorizado, recompensado ou ignorado.
Uma cultura organizacional não acontece simplesmente, é antes intencionalmente construída implicando uma conversão clara entre valores-chave e comportamentos específicos, observáveis e, idealmente, mensuráveis e que se incorporam de forma consistente no fluxo de trabalho diário.
As lideranças têm um papel vital no processo, na medida em que são modelos de conduta e assumem o elevado desafio de zelar pela visão, pelos valores e pelos princípios da organização.
Antes de se anunciar uma iniciativa cultural, é importante parar. Dar um passo para trás. Perguntar: o que estamos a pedir às pessoas para acreditarem e fazerem que ainda não provámos por meio do nosso próprio comportamento?
Quando as lideranças criam intencionalmente experiências para demonstrar estes comportamentos e aproveitam cada momento para reforçar a cultura que se pretende, então é deixada uma marca e é nessa marca que a cultura começa a ser construída. Seja na forma como tomam decisões, como conduzem as reuniões, na forma como dão feedback, na definição de objetivos, como envolvem as equipas ou nos processos de onboarding. Cada experiência deixa uma marca.
Assim, é importante que os líderes dediquem tempo a analisar a forma como as equipas operam, se há espaço para a escuta, se as pessoas se sentem seguras para expressar ideias e discordar, e corrigir esses eventuais desalinhamentos.
Um estudo efetuado na América, na Europa e na Ásia demonstrou um aumento dos índices de confiança de 26% quando os líderes mudaram a forma como lideravam – como conduziam reuniões, davam feedback, tomavam decisões e respondiam a desafios – mesmo perante a ausência de uma campanha interna. Um dos executivos do estudo referiu: «Não escrevemos os nossos valores, fizemos engenharia inversa a partir de como é que nos queríamos comportar.» Outro referiu: «Não anunciámos uma mudança de cultura. Simplesmente começámos a agir como se fosse importante.»
É importante ajudar os líderes a desenhar orientações, estímulos e motivações no momento certo, capazes de transformar a natureza da relação que mantêm com as suas equipas.
Os colaboradores não esperam que os líderes sejam perfeitos. Eles esperam que sejam consistentes, sobretudo quando isso é inconveniente e tal pode significar, por exemplo, partilhar a tomada de decisão que antes cabia apenas ao topo, manter a transparência mesmo quando as notícias não são boas ou valorizar a participação mesmo quando o tempo escasseia. Os sinais culturais mais fortes são aqueles que envolvem riscos visíveis.
Os surveys de clima, habitualmente aplicados nas organizações, são úteis enquanto barómetro, mas a cultura não se constrói solicitando feedback, constrói-se pela forma como os líderes respondem quando esse feedback é difícil de ouvir. O verdadeiro alinhamento começa com o reconhecimento de que as pessoas não levantarão questões difíceis a menos que os líderes abram ativamente espaço para isso e protejam as pessoas quando o fizerem.
A forma como os benefícios estão definidos e implementados também pode implicar uma revisão. Se uma organização promover iniciativas de saúde mental e dias de férias extra num contexto em que as equipas estão sobrecarregadas de trabalho e pressão, há um desalinhamento que pode não só levar à descredibilização, mas à perda de confiança.
Se uma organização pretende, por exemplo, impulsionar a inovação e a criatividade, então é essencial que promova um contexto de incentivo e valorização de novas ideias e sobretudo um ambiente onde as equipas sintam que é seguro partilhar pontos de vista diferentes, colocar questões, discordar, expor preocupações ou erros sem receio de julgamento ou retaliação. Antes de a cultura ser comunicada, tem de ser vivida.
Portanto, antes de se anunciar uma iniciativa cultural, é importante parar. Dar um passo para trás. Perguntar: o que estamos a pedir às pessoas para acreditarem e fazerem que ainda não provámos por meio do nosso próprio comportamento?
Ainda que os líderes sejam importantes catalisadores, no que toca à cultura todos são chamados ao palco, porque a cultura constrói-se com a responsabilização de todos.
Mais do que mudar a cultura, acredito em fazer evoluir a cultura, um processo que reconhece e valoriza as potencialidades já existentes na organização e as amplifica para dar resposta aos novos desafios estratégicos, às exigências do mercado e às expectativas das pessoas, garantindo simultaneamente a sua sustentabilidade e o seu crescimento.
Transformação não se consegue de hoje para amanhã, mas veio para ficar, pelo que é importante que as pessoas consigam dinamizar esta evolução e «resistir à resistência», porque se estamos a transformar sem resistência, então não estamos a transformar.

Inês Teles Palhinha, Gestão e Desenvolvimento de Talento | BPI
O BPI é um dos cinco maiores grupos financeiros portugueses, estando centrado nas atividades de banca de empresas e de retalho e na prestação de serviços financeiros. Em fevereiro de 2017, passou a fazer parte do grupo CaixaBank, criando-se assim um dos maiores grupos financeiros da Península Ibérica, com capacidade para oferecer um conjunto de produtos e serviços que facilitam e agilizam as operações financeiras das empresas, independentemente da sua localização geográfica no mercado ibérico.
