A inteligência artificial (IA) está na ordem do dia e já impacta, nas suas diferentes formas, os processos de trabalho e a gestão das pessoas nas organizações. Quem acompanhou a sua evolução nos últimos meses, deparou-se com progressos rápidos e surpreendentes.
Texto: Isabel Paredes/ Helena Manoel Viana Imagem: Freepik
No campo do recrutamento, a utilização de IA tem-se generalizado, através da redação de descritivos de funções, interação com candidatos através de chatbots, triagem de candidaturas e análise e avaliação das respostas e comportamentos dos candidatos. Também na gestão do desempenho, a IA já é frequentemente utilizada, seja na definição de métricas e objetivos, na identificação de oportunidades de desenvolvimento, na conceção de programas de recompensa ou na seleção de trabalhadores com perfil para promoção, entre outros.
Perante esta galopante, e inevitável, irrupção da IA nas empresas, e na sociedade em geral, dois tipos opostos de opiniões e reações têm surgido na comunicação e nas redes sociais.
Uma, a otimista, defende que os ganhos de produtividade provenientes da IA irão beneficiar a humanidade em geral. Por exemplo, a carga de trabalho rotineiro retirada pela IA libertará mais tempo para que, no caso das organizações, as equipas de gestão das pessoas se dediquem a atividades de maior valor, e ao fim e ao cabo mais humanas, como o acompanhamento e o desenvolvimento dos talentos dos seus colaboradores. Os colaboradores, por seu lado, usufruirão igualmente de mais tempo para fazer tarefas mais gratificantes e desenvolver os seus talentos.
No polo oposto, situa-se uma visão pessimista, que teme pela perda de muitos empregos não inteiramente substituídos por outros, ou pelo menos não pelas mesmas pessoas. O que fazer com esses trabalhadores? A reconversão será possível para alguns deles, mas é duvidoso que o seja para todos.
Nos termos do Regulamento de Inteligência Artificial, a maioria dos sistemas de IA utilizados pelas empresas em contexto laboral é classificada como de risco elevado, em função do potencial de lesão que apresentam.
Para além destas preocupações, a utilização cada vez mais generalizada da IA levanta questões éticas prementes, inclusive no caso da gestão do talento nas organizações, nomeadamente:
– sistemas de tomada de decisão totalmente automatizados e opacos que envolvem seleção para empregos e decisões de progressão na carreira profissional;
– vieses em algoritmos treinados com dados históricos que perpetuam estereótipos e discriminações; por exemplo, se o algoritmo for treinado com base nas decisões de contratação anteriores, pode sistematicamente selecionar candidatos de determinado género, etnia ou idade;
– proteção de dados e privacidade – os modelos de IA trabalham com base em grandes volumes de dados, que podem ser pessoais e sensíveis, e recolhidos e utilizados de forma pouco clara ou até sem consentimento dos seus titulares;
– manipulação de comportamentos – a IA pode ser utilizada para influenciar atitudes e comportamentos, inclusivamente através da criação de desinformação e conteúdos prejudiciais, como imagens e vídeos manipulados (deepfake), comprometendo a autonomia das pessoas.
É, pois, necessário que as tecnologias de IA cumpram critérios de transparência. Neste sentido, o Código do Trabalho consagrou um dever de informação relativo aos sistemas de IA, o qual deve ser cumprido perante o trabalhador (e, quando os haja, perante a comissão de trabalhadores e os delegados sindicais), nomeadamente através da prestação de informação sobre os parâmetros, os critérios, as regras e as instruções em que se baseiam os algoritmos ou outros sistemas de IA que afetam a tomada de decisões sobre o acesso e a manutenção do emprego, assim como as condições de trabalho.
Se estivermos a falar de decisões de contratação ou promoção, os critérios e os instrumentos de seleção utilizados devem estar à partida definidos e documentados, sendo, pois, de fácil explicação e auditáveis. A utilização de técnicas de avaliação válidas e relacionadas com as exigências do trabalho é fundamental para garantir a objetividade e a equidade entre candidatos. O Código do Trabalho prevê que a tomada de decisões baseadas na utilização de algoritmos e de outros sistemas de IA não pode prejudicar o direito à igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e à promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho.
Os estudos mostram que utilizar testes, questionários, exercícios e entrevistas que avaliam capacidades e competências comprovadamente exigidas pelo trabalho combate os vieses e ajuda a construir uma força de trabalho mais competente e diversa.
Para além das obrigações decorrentes da legislação nacional, importa ainda considerar o cumprimento do Regulamento de Inteligência Artificial. Nos termos deste regulamento, a maioria dos sistemas de IA utilizados pelas empresas em contexto laboral é classificada como de risco elevado, em função do potencial de lesão que apresentam, o que demonstra a necessidade de precaução na utilização dos referidos sistemas de IA.
É também fundamental que na organização esteja definido quem é responsável pelas decisões tomadas e quem responde por eventuais erros. Isto é, tem de existir uma supervisão humana e planos de contingência para o caso de erros e falhas.
À medida que a IA se vai desenvolvendo e o seu uso se vai disseminando, as questões éticas vão-se tornando mais complexas, devendo as empresas tomar medidas para evitar tendências enviesadas e práticas discriminatórias.

Isabel Paredes, Partner e Chief Psychologist da SHL Portugal

Helena Manoel Viana, Associate da Vieira de Almeida (VdA)
A SHL Portugal é uma empresa de consultoria estratégica e de tecnologia para a gestão do talento, representante das soluções do Grupo SHL, que tem uma posição de destaque mundial em assessment e talent analytics. Opera em cinco países de língua portuguesa e trabalha com centenas de organizações, dos sectores público e privado. Após celebrar 45 anos em 2024, continua a apostar na investigação e na inovação tecnológica aliada à inteligência artificial (IA).
A sociedade de advogados Vieira de Almeida (VdA) é uma organização vibrante e inquieta, inovadora, que se afirma nas aspirações de um coletivo que quer ser parte ativa da solução para os desafios sociais e ambientais que enfrentamos enquanto sociedade, mobilizando pelo exemplo de respeito, justiça e humanidade. Orgulhosa da sua história, a VdA constrói o futuro assente numa cultura que a distingue e que une em torno de um desígnio comum. Uma cultura fundada na consciência de que a cidadania é a âncora da sua prática e que faz dela uma organização aberta, inclusiva e solidária, focada nas pessoas e na justa oportunidade de realização de cada uma.
