A era da transparência salarial: o que significa para as organizações?

Texto: Carolina Gonçalves, Pedro Ferreira de Sousa, Inês Anjos Imagem: Freepik

Hoje, num momento em que a inteligência artificial (IA) domina o debate, assistimos a uma nova transformação: não é apenas a tecnologia que redefine o futuro do trabalho, mas também as exigências sociais que nos fazem repensar como reconhecemos, valorizamos e recompensamos as nossas pessoas dentro das nossas organizações. A equidade e a transparência não são apenas tendências – são temas centrais na gestão estratégica de pessoas. Entrámos na era da transparência salarial.

Falar de transparência salarial significa critérios de remuneração acessíveis, compreensíveis e justos para todos os colaboradores. Não se trata apenas de publicar tabelas salariais, mas de promover uma cultura de equidade, onde os critérios de progressão e compensação são claros e acessíveis a todos, e as desigualdades salariais injustificadas eliminadas (Brown et al., 2022). A transparência inclui práticas como a publicação de bandas salariais nos anúncios, a divulgação interna de critérios de progressão salarial e relatórios periódicos sobre a equidade de remuneração interna (Cullen & Pakzad-Hurson, 2022), mas o seu impacto vai muito além da comunicação de salários.

Empresas que adotam políticas salariais transparentes reforçam a confiança e satisfação dos colaboradores, aumentam o engagement, a retenção e a atração de talentos, bem como a sua reputação no mercado (Beatty, 2021; Cullen, 2023). Quando os critérios salariais são claros, os trabalhadores sentem-se mais valorizados e comprometidos com os objetivos organizacionais. Além disso, a transparência facilita a atração de talento, ao permitir que os candidatos conheçam antecipadamente as condições remuneratórias, evitando frustrações futuras (Beatty, 2021). Porém, a transparência não é apenas um fator de competitividade – é um imperativo para corrigir desigualdades sistémicas. A equidade salarial continua a ser um dos maiores desafios na construção de ambientes de trabalho justos e diversos (OCDE, 2023), e a transparência salarial surge como uma das ferramentas mais eficazes para reduzir a disparidade salarial, ao garantir que género, etnia ou outros fatores não sejam determinantes na definição das remunerações (Obloj & Zenger, 2022). A sua ausência, por outro lado, perpetua desigualdades históricas e dificulta o empoderamento económico de grupos sub-representados (Heisler, 2021).

De forma clara, para além de um imperativo ético e legal, a transparência salarial é uma ferramenta estratégica para empresas que vem redefinir a relação entre organizações e colaboradores. A legislação, que obriga empresas a justificarem disparidades superiores a 5% (Diretiva Europeia sobre Transparência Salarial, 2023), é apenas uma peça do puzzle – para que a transparência tenha impacto real, as organizações devem traduzir este compromisso em ações concretas e integradas.

Ainda assim, nem todas as empresas estão preparadas para esta mudança. O medo da insatisfação ao expor desigualdades internas ou a complexidade da revisão das suas estruturas salariais fazem com que muitas resistam à transparência, apesar dos benefícios evidentes, das exigências prementes e das expectativas do mercado. No entanto, manter a opacidade não é uma solução sustentável. Estudos mostram que empresas que evitam esta transição acabam por enfrentar maior instabilidade interna e dificuldades em reter talento qualificado, comprometendo a sua competitividade a longo prazo (Bennedsen et al., 2022; Cullen & Pakzad-Hurson, 2022). Como em tudo, a mudança pode ser desafiadora, mas neste caso a ausência de ação pode ser ainda mais prejudicial. Então, o que fazer?

O primeiro passo é conduzir um diagnóstico interno estruturado, que inclua a avaliação e qualificação de funções e a análise de equidade salarial para garantir coerência entre responsabilidades e remuneração e identificar e corrigir disparidades.

A comunicação estratégica é outro fator essencial. A transparência salarial exige um trabalho contínuo de explicação dos critérios de remuneração, progressão e benefícios. Estudos, como o de Heisler (2021), demonstram que a falta de clareza na comunicação salarial pode gerar tanta insatisfação quanto a ausência de transparência. Para evitar, é essencial capacitar líderes e equipas de Recursos Humanos para comunicarem estas políticas de forma clara, consistente e alinhada com os valores organizacionais.

A tecnologia também desempenha um papel fundamental neste processo. Ferramentas de analytics e reporting, permitem às empresas monitorizar e comunicar os seus progressos de forma consistente. Soluções digitais ajudam não só na conformidade legal, mas também na promoção da confiança e da perceção de justiça dentro da organização.

Por fim, mas não menos importante (de forma alguma), a transparência salarial não pode ser vista como uma iniciativa isolada, mas sim como parte de uma abordagem mais ampla de equidade e gestão estratégica de talento. Para garantir que a sua implementação é eficaz, as empresas devem integrar a transparência com processos de avaliação de desempenho claros, critérios de promoção e modelos de carreira bem definidos e políticas robustas de DEI.

A era da transparência salarial representa um passo essencial para um mundo do trabalho mais justo. Evitar a transparência não é apenas um obstáculo ao progresso organizacional, mas um fator que mantém desigualdades estruturais que afetam tanto as empresas como a sociedade. O futuro pertence às organizações que compreendem que equidade e sucesso são inseparáveis. Num mundo onde a informação está cada vez mais acessível, a verdadeira vantagem competitiva não está em ocultar, mas em liderar com integridade. A transparência não é o futuro do trabalho – é o presente. E as empresas que lhe resistirem correm o risco de ficar para trás.

Transparência salarial: o enquadramento legal em Portugal e na União Europeia

As preocupações relativas à desigualdade salarial encontram, ainda, reflexo na legislação nacional e comunitária. A abordagem legislativa parte necessariamente dos dados disponíveis: os índices de desigualdade salarial rondam, hoje, os 8,6% em Portugal e os 12% na União Europeia.(1)

Em Portugal, o tema da igualdade remuneratória não é novo. Por força da Lei 60/2018, de 21 de agosto, os empregadores devem, por um lado, adotar uma política remuneratória transparente e, por outro lado, promover planos de avaliação das diferenças remuneratórias entre géneros, algo que, como é do conhecimento público, vem sendo particularmente monitorizado pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).

A nível europeu, a preocupação da igualdade de género no plano remuneratório remonta à fundação da própria União. Contudo, e dado que a disparidade salarial entre géneros subsiste, o Conselho adotou, em abril de 2023, a Diretiva (UE) 2023/970, com vista a combater o gender pay gap.

A diretiva, cujo prazo da transposição termina em junho de 2026, prevê, entre outros, a proibição dos empregadores questionarem candidatos quanto a remunerações passadas, bem como a obrigação de justificarem disparidades remuneratórias superiores a 5% entre os trabalhadores masculinos e femininos. Aos candidatos e trabalhadores, a diretiva confere ainda o direito a informação transparente quanto aos níveis, critérios de fixação e de progressão remuneratória e a compensação em caso de discriminação remuneratória arbitrária. 

Na era da transparência salarial, não sobram oportunidades: para os trabalhadores, nomeadamente o acesso a informação sobre disparidades salariais e a possibilidade de as sindicar, e para os empregadores, designadamente a diferenciação positiva através de compliance e de boas práticas, num mercado de trabalho cada vez mais dinâmico, exigente e concorrencial.

(1) Dados do Parlamento Europeu disponíveis em linha em Perceber as disparidades salariais entre homens e mulheres: definição, factos e causas | Temas | Parlamento Europeu.



Carolina Gonçalves
, Consultant da SHL Portugal




Pedro Ferreira de Sousa
, Consultor Principal da Vieira de Almeida (VdA)




Inês Anjos
, Associada Júnior da Vieira de Almeida (VdA)


A SHL Portugal é uma empresa de consultoria estratégica e de tecnologia para a gestão do talento, representante das soluções do Grupo SHL, que tem uma posição de destaque mundial em assessment talent analytics. Opera em cinco países de língua portuguesa e trabalha com centenas de organizações, dos sectores público e privado. Após celebrar 45 anos em 2024, continua a apostar na investigação e na inovação tecnológica aliada à inteligência artificial (IA).

A sociedade de advogados Vieira de Almeida (VdA) é uma organização vibrante e inquieta, inovadora, que se afirma nas aspirações de um coletivo que quer ser parte ativa da solução para os desafios sociais e ambientais que enfrentamos enquanto sociedade, mobilizando pelo exemplo de respeito, justiça e humanidade. Orgulhosa da sua história, a VdA constrói o futuro assente numa cultura que a distingue e que une em torno de um desígnio comum. Uma cultura fundada na consciência de que a cidadania é a âncora da sua prática e que faz dela uma organização aberta, inclusiva e solidária, focada nas pessoas e na justa oportunidade de realização de cada uma.

Scroll to Top