Escutar, não só para responder, mas para refletir e mudar

Quantas vezes chegamos ao fim de uma conversa com um colega, com o nosso chefe, até com um amigo, e nada daquilo que eles nos disseram nos abriu novos horizontes ou nos fez evoluir? Já aconteceu a toda a gente, não é?

Texto: César Gôuvea

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Talvez seja porque não estávamos realmente a escutar – e não no sentido de não prestarmos atenção, mas no sentido de não estarmos abertos a novas visões e opiniões que pudessem transformar o olhar que temos sobre o mundo. Outras perceções. O que acontece, muitas vezes, é um mini-monólogo (deles) e nós estávamos somente à espera da oportunidade de apresentar o nosso mini-monólogo, que já tínhamos formado, independente daquilo que viríamos a ouvir.

Isto é tudo o que não pode acontecer num quarto de hospital, quando um doutor palhaço entra e encontra uma criança. Se acontecer, se ele não se permitir escutar a criança, o que ela necessita e o ambiente em que ela está inserida, o encontro não é positivo para nenhum dos dois. O palhaço acaba por impor a sua performance e em nada inspira uma mudança na criança, em si mesmo ou no ambiente. Porque, na essência do encontro está a abertura do palhaço para escutar aquilo de que a criança precisa naquele momento, que é tão éfemero mas tão importante, sem julgamento. E está também em ligação íntima, através do jogo que desenvolve com ela, a possibilidade da transformação da sua experiência naquele quarto de hospital.

Por falar em julgamento: quando foi a última vez que nos abstivemos de julgar alguém (ou a nós próprios)? Que não tecemos preconceitos em relação ao aspeto físico, à profissão, às opiniões e opções de vida? É natural não nos lembrarmos, porque a verdade é que é impossível o ser humano abster-se completamente de julgar os outros. Contudo, prender-se a esse julgamento é um desperdício de tempo. E no caso dos doutores palhaços da Operação Nariz Vermelho (ONV), que trabalham sempre em dupla nas visitas aos hospitais, a capacidade para não julgar o parceiro e para aprender, constantemente, com aquilo que ele tem para oferecer é puro ouro. Cada artista deve aceitar todas as ideias, ações e estímulos que o parceiro e, acima de tudo, a criança dá a ambos de presente. O encontro é construído a partir desses sucessivos «Sim» e, desta forma, todos são protagonistas e têm espaço para construir algo juntos: os palhaços, as crianças, os seus familiares que estão presentes e ainda os profissionais do hospital que também fazem parte desta interação.

E se, no dia-a-dia, todos aplicássemos mais isto? E se nos permitirmos aprender com as pessoas que nos rodeiam tal e qual o palhaço aprende com o seu parceiro de atuação, com cada criança e familiar dela, com cada profissional de saúde, com cada estímulo que recebe de todos eles? Temos coisas novas a aprender com cada pessoa com que nos cruzamos – se estivermos abertos a essa escuta ativa. Porque cada pessoa tem a capacidade de despertar uma reação particular em nós e uma forma única de nos expressarmos, que usamos com ela e não necessariamente com os outros.

Porque não aceitar então esta proposta: encarar cada encontro com cada pessoa à nossa volta como uma porta para uma oportunidade de aprender algo novo? E se nos permitirmos escutar não para responder… mas para refletir e mudar?

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»»»» César Gôuvea é ator, palhaço e pioneiro na linguagem do improviso no seu país de origem, o Brasil, sendo atualmente responsável pela área de Criação e Conteúdos da Operação Nariz Vermelho (ONV). Esta área tem como objetivo levar os conceitos-base e os valores do trabalho artístico dos doutores palhaços, como a arte do improviso ou a importância de aprender a ver os obstáculos como oportunidades, para além da arquitetura hospitalar e da relação restrita palhaço-criança, transportando-os para o mundo empresarial e para a sociedade através de workshops, sessões de team-building, eventos corporativos e atividades dinâmicas.