Luiza Teixeira de Freitas, da Operação Nariz Vermelho
«O nosso sonho é visitar todas as pediatrias dos hospitais públicos do país.»

Em 2022, a Operação Nariz Vermelho (ONV) celebra o seu 20º aniversário. Para a instituição, é um ano em que importa celebrar a vida, envolver a comunidade e agradecer o apoio, o reconhecimento e a confiança dos portugueses. Luiza Teixeira de Freitas fala-nos deste percurso e lança-nos um olhar para futuro do projeto.

Texto: Redação «human» Foto: DR

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Como olha para o percurso da Operação Nariz Vermelho? E o que esteve na base da criação do projeto?

Olho com enorme gratidão e orgulho no percurso que foi feito para chegar onde estamos e no trabalho que temos desenvolvido ao longo dos anos. Há duas décadas, a Operação Nariz Vermelho nasceu do sonho da fundadora, Beatriz Quintella, de levar alegria às crianças hospitalizadas. A inspiração surgiu após ler um artigo sobre o trabalho dos Doutores Palhaços que visitavam crianças hospitalizadas nos Estados Unidos. Na altura, ainda não havia nenhum projeto deste género em Portugal e a Beatriz entrou em contato com o Hospital Dona Estefânia, com a proposta de implementar lá esse mesmo registo: levar a sua Doutora Palhaça (Doutora da Graça) até às crianças.

Passados 20 anos, a Operação Nariz Vermelho visita mais de 100 serviços pediátricos em quase duas dezenas de hospitais públicos (11 na região de Lisboa e Vale do Tejo, cinco no Norte, entre o Grande Porto e Braga, e um na região Centro, em Coimbra), visitando 51% das crianças internadas em serviços pediátricos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) de Portugal. As visitas perfazem cerca de 53 mil encontros anuais com as crianças hospitalizadas e os seus familiares, e a relação com os profissionais de saúde está mais consolidada do que nunca.

«No início, eram três Doutores Palhaços e começaram as visitas no Hospital Dona Estefânia, no Hospital de Santa Maria e no IPO de Lisboa. Aos poucos, foram-se juntando mais Doutores Palhaços e a equipa do escritório também se foi consolidando, ao mesmo tempo que o programa de visitas chegava a mais hospitais.»

A missão evoluiu de alguma forma com o crescimento ao longo destes anos?

A génese da nossa missão – levar alegria à criança hospitalizada através da arte do Doutor Palhaço – mantém-se, mas sem dúvida que o projeto da organização evoluiu ao longo dos anos. A criança continua a ser o foco da interação, mas sem nunca descuidar os familiares e os próprios profissionais de saúde, que segundos vários estudos que conduzimos, sentiam também o efeito das interações com os Doutores Palhaços. «Rir é o Melhor Remédio» (publicado em 2016) foi o estudo que acabou por dar origem a um livro que publicámos sobre o tema e que permite demonstrar que a interação com os Doutores Palhaços ajuda tanto as crianças como os seus acompanhantes a lidar melhor com a passagem pelo hospital, seja esta mais ou menos curta, e também ajuda a aliviar as rotinas diárias de trabalho dos profissionais de saúde.

Por falar em desenvolvimento e evolução, é impossível não mencionar a pandemia, que também acabou por motivar uma reinvenção do nosso trabalho. Quando tivemos de interromper as visitas presenciais dos Doutores Palhaços, surgiu a «TV ONV», o canal de YouTube onde, todos os dias, publicávamos dois vídeos feitos pelos nossos artistas a partir das suas casas, e mais tarde o «Palhaços na Linha», um sistema de visitas virtuais onde, através de tablets, que eram transportados em suportes montados em carrinhos, o nosso trabalho foi levado de sala em sala e de quarto em quarto, recuperando-se assim o contacto individual com cada criança.

O crescimento da Operação Nariz Vermelho também levou a mudanças noutras áreas, como a angariação de fundos. Como não contamos com apoios do Estado, diversificámos a aposta em várias vertentes de financiamento junto da população, para podermos continuar a oferecer as visitas dos Doutores Palhaços aos hospitais com que colaboramos. Hoje em dia, angariamos os fundos necessários à sustentabilidade da nossa organização através de donativos de particulares e empresas, de campanhas anuais, como a do Natal e o Dia do Nariz Vermelho, que se realiza todos os anos, em junho; o apelo à consignação do IRS, que assume uma importância significativa, porque já representa cerca de um terço do nosso orçamento anual; e a venda de merchandising na nossa Lojinha.

Como é que a sociedade em geral via este projeto nos primeiros tempos? Seja as instituições de saúde, seja as famílias, seja os profissionais de saúde, seja até o mundo empresarial?

Não há dúvida de que sempre fomos bem-vindos e bem recebidos em todos os hospitais que visitamos. Temos como parceiros profissionais de saúde que acreditam na importância do nosso trabalho e no processo transformador do humor na saúde. Apesar disso, é natural que as primeiras visitas dos Doutores Palhaços aos hospitais, numa época em que ainda não havia nenhum projeto semelhante em Portugal, tenham despertado alguma surpresa. Era uma coisa muito fora do comum, não se sabia o que estavam palhaços a fazer no hospital. Ao longo do tempo, essa surpresa acabou por se transformar em confiança, e provou-se que sim, o palhaço tem lugar num hospital, porque tem lugar onde quer que haja uma criança.

Ao longo dos anos, temos pedido estudos à GFK para avaliar a notoriedade e o reconhecimento da Operação Nariz Vermelho junto do grande público, e estes estudos têm ajudado a mostrar o crescimento destes dois parâmetros. Atualmente, 82% dos inquiridos afirma conhecer a Operação Nariz Vermelho, apontando a transparência, o profissionalismo e a boa gestão como alguns dos principais atributos da nossa instituição.

Como foi o processo de formação da equipa?

No início, eram três Doutores Palhaços – a própria Beatriz Quintella junto com Mark Mekelburg e Bárbara Ramos Dias – e começaram as visitas no Hospital Dona Estefânia, no Hospital de Santa Maria e no IPO (Instituto Português de Oncologia) de Lisboa. Aos poucos, foram-se juntando mais Doutores Palhaços e a equipa do escritório – que trabalha áreas como angariação de fundos, organização de eventos, comunicação, relação hospitalar e investigação científica, através do Centro de Estudos e Pesquisa da Operação Nariz Vermelho – também se foi consolidando, ao mesmo tempo que o programa de visitas chegava a mais hospitais. Este crescimento permitiu-nos chegar a cada vez mais serviços e hospitais.

Que diferenças existem para os dias de hoje em termos de gestão do projeto?

A expansão do programa de visitas implicou o crescimento da equipa, tanto a artística como a que trabalha no escritório. Contratámos mais profissionais com elevadas competências para desempenharem as suas funções, alargámos as fontes de angariação de fundos, apostámos na comunicação e na divulgação do nosso trabalho junto do grande público, apostámos bastante na investigação científica e conduzimos estudos para comprovar o efeito das interações dos Doutores Palhaços com as crianças e os adolescentes, e aprofundámos as relações com as administrações hospitalares e as equipas médicas.

Hoje em dia, a missão da Operação Nariz Vermelho é bastante conhecida, mas em grande parte também pela aposta na divulgação daquilo que fazemos, através da comunicação social, dos nossos canais internos e dos canais de parceiros – institucionais, empresariais ou particulares – que têm vindo a apoiar-nos ano após ano. Cada vez mais portugueses já ouviram falar ou acompanham o trabalho que desenvolvemos nos hospitais, e queremos chegar cada vez mais longe e continuar a evoluir como evoluímos nestes 20 anos.

«Os nossos laços com os profissionais de saúde estreitaram-se e o feedback que tivemos das equipas do nosso trabalho durante a pandemia foi muito positivo. Hoje em dia somos vistos como uma extensão da equipa dos profissionais do hospital.»

Quantas pessoas estão envolvidas atualmente e como se distribuem?

A equipa artística conta com 33 Doutores Palhaços, coordenados por um diretor artístico. A equipa do escritório é constituída por 19 profissionais que trabalham áreas como angariação de fundos, comunicação, organização de eventos, relação hospitalar e investigação científica, através do Centro de Estudos e Pesquisa, coordenados por uma diretora executiva. Existe também uma Direção formada por cinco membros, da qual eu sou presidente. E por fim temos um Conselho Consultivo composto por 13 membros vindos das mais variadas áreas e que njos agregam muito valor.

Os tempos de pandemia colocaram-vos desafios acrescidos?

Sim, mas soubemos adaptar-nos desde cedo. Logo em março de 2020, com toda a equipa a entrar em teletrabalho, lançámos a «TV ONV» e mais tarde o «Palhaços na Linha». O regresso presencial dos Doutores Palhaços aos hospitais foi sendo conquistado a par do desconfinamento, com alguns serviços a abrirem mais cedo do que outros, à medida que eram garantidas as condições de segurança e higiene necessárias. Desde o início deste ano que estamos de volta a todos os hospitais, mas guardamos o que aprendemos com a «TV ONV» e o «Palhaços na Linha», porque estes modelos podem vir a ter utilidade no futuro. Por exemplo, podemos eventualmente chegar a mais hospitais, em regiões onde ainda não estamos, através do «Palhaços na Linha», e essa é uma das melhores descobertas que a pandemia nos trouxe. Nunca baixámos os braços nem deixámos de chegar às crianças hospitalizadas e aos seus familiares, que precisavam, talvez mais do que nunca, de alegria e sorrisos para os ajudar a atravessar essa fase mais difícil que todos vivemos.

Os nossos laços com os profissionais de saúde estreitaram-se e o feedback que tivemos das equipas do nosso trabalho durante a pandemia foi muito positivo. Hoje em dia somos vistos como uma extensão da equipa dos profissionais do hospital.

Consegue de alguma forma quantificar quantas pessoas já impactaram com a vossa atividade?

É difícil contabilizar todas as crianças e todos os adolescentes – e, por acréscimo, os seus familiares e acompanhantes – que, ao longo destas duas décadas, tiveram contacto com a Operação Nariz Vermelho. Atualmente, contabilizamos cerca de 53 mil encontros anuais entre as crianças e os Doutores Palhaços, e visitamos serviços tão distintos como os internamentos mais prolongados, os hospitais de dia, as consultas externas ou as salas de espera. Durante a pandemia, quando tivemos de nos ausentar momentaneamente dos hospitais, a «TV ONV» também nos permitiu chegar a um número muito elevado de crianças, não só nos hospitais mas também nas suas casas. Até ao momento, e contabilizando as visualizações dos vídeos no YouTube e também no Facebook e no Instagram, os conteúdos da «TV ONV» somam cerca de 500 mil visualizações, e como continuam disponíveis nas várias plataformas continua a haver quem os descubra recentemente, pelo que esse número continua a subir.

«O nosso sonho é visitar todas as pediatrias dos hospitais públicos do país. Em cada novo hospital que visitamos, assumimos um compromisso, sendo que queremos acreditar que é para sempre, e isso traz-nos uma responsabilidade extra, uma vez que todos os anos temos de assegurar receitas para manter as visitas a todos os hospitais com que já colaboramos, antes de podermos pensar em chegar a outros.»

A crescente sensibilização das empresas para as questões ligadas à responsabilidade social tem-vos ajudado?

Tem, sem dúvida. Ao longo dos últimos anos, as empresas, independentemente da sua dimensão, têm vindo a perceber a importância da imagem e do posicionamento junto do grande público, e de como o apoio a causas e instituições de solidariedade social ajuda ambas. Os projetos de responsabilidade social têm vindo a ganhar cada vez mais relevo e, na Operação Nariz Vermelho, temos tido o privilégio de contar com o apoio de vários parceiros ao longo do nosso percurso, seja através de donativos diretos, seja através da compra, para os funcionários e os colaboradores, dos produtos da nossa Lojinha ou da promoção de campanhas em que parte da receita reverte a nosso favor. Sem este apoio constante do sector empresarial, muito daquilo que fazemos seria difícil de alcançar, pelo que agradeço, em nome da equipa da Operação Nariz Vermelho, a todos os parceiros que acreditam na nossa organização.

Que objetivos têm agora, passados 20 anos?

O nosso sonho é poder, um dia, visitar todas as pediatrias dos hospitais públicos do país. Em cada novo hospital que visitamos, assumimos um compromisso, sendo que queremos acreditar que é para sempre, e isso traz-nos uma responsabilidade extra, uma vez que todos os anos temos de assegurar receitas para manter as visitas a todos os hospitais com que já colaboramos, antes de podermos pensar em chegar a outros, mas o objetivo é esse: chegar a todas as crianças hospitalizadas em Portugal.

Como vê o seu papel na liderança da Operação Nariz Vermelho?

Gosto de pensar que tenho um papel de valor na Operação Nariz Vermelho. Comigo trago a bagagem e as memórias de 20 anos a ver esta organização crescer. Faço parte de uma Direção que trabalha diariamente junto da organização para garantir que o que fazemos seja pleno na sua essência, que o trabalho do Doutor Palhaço que chega aos hospitais tenha excelência e profissionalismo. Considero que, junto com a restante Direção, conseguimos passar os princípios por detrás da ideia de poder transformador do humor – e isso não tem preço.

O que lhe ensinou de mais importante a Operação Nariz Vermelho?

A Operação Nariz Vermelho ensina-me todos os dias as mais variadas e importantes lições. Mas a que levo comigo diariamente, e que se aplica obviamente ao trabalho que fazemos, é uma frase de Mark Twain – «que a humanidade tem apenas uma arma eficaz: o riso».

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»»»» Luiza Teixeira de Freitas é a presidente da Operação Nariz Vermelho (ONV), instituição particular de solidariedade social (IPSS) que está a comemorar em 2022 duas décadas de existência. Este foi um tempo de crescimento, de expansão da equipa (quem está no escritório e o grupo dos Doutores Palhaços), de expansão do programa de visitas a mais de uma centena de serviços em quase duas dezenas de hospitais, de norte a sul do país, e de um profissionalismo e de uma dedicação cada vez maiores à missão definida em 2002.