Dois anos após a pandemia Covid-19, num contexto global cada vez mais dinâmico e incerto, há uma certeza: os novos modelos de trabalho chegaram para ficar.
Texto: Laura Andries/ Pedro Ferreira de Sousa
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A alteração legislativa ao regime do teletrabalho, no início de 2022, veio introduzir importantes mudanças na vivência desse modelo de organização do trabalho. Uma das modificações mais impactantes registou-se ao nível dos instrumentos de trabalho, tratados pelo legislador laboral na ampla aceção de «equipamentos e sistemas».
Para se adaptarem ao trabalho remoto, muitos colaboradores provavelmente já equiparam os seus home offices com secretária, cadeira ou até um monitor adicional. No entanto, o trabalho remoto requer muitos mais instrumentos para um conforto total, sendo que têm surgido dúvidas sobre quem é responsável por estes.
A Lei veio, então, tornar expressa a responsabilidade do empregador pela disponibilização ao colaborador dos equipamentos e sistemas necessários à prestação de teletrabalho e, bem assim, à interação colaborador-empregador, prevendo-se a possibilidade de a empresa fornecer diretamente ou de o colaborador os adquirir, caso em que deverá obter do empregador a concordância em relação às características técnicas e ao preço, tendo o direito a ser compensado pelos custos de aquisição. Deve sublinhar-se que o legislador continua a facultar à empresa o direito de estabelecer regras de utilização dos equipamentos e sistemas, nomeadamente no que respeita ao uso extraprofissional, donde, para salvaguarda de todos e até para eventual responsabilização disciplinar, se afigura recomendável a sua previsão em sede de regulamento interno ou, no limite, de acordo de teletrabalho.
Algumas empresas em Portugal têm reportado dificuldades relacionadas com o cálculo das despesas mensais decorrentes do novo regime laboral e, por isso, encontraram soluções alternativas. Há organizações que atribuem um valor fixo para os consumos para além da disponibilização de equipamentos. A medida mais comum tem sido a atribuição de um plafond predefinido para a aquisição de equipamentos necessários ao conforto dos colaboradores, que pode ser aplicado em produtos eletrónicos, materiais de escritório ou mesmo peças de decoração.
A pertinência desta medida é evidente, uma vez que optar pelo trabalho remoto pode implicar custos adicionais para os colaboradores. Inclusivamente, há registo de maiores gastos com despesas relacionadas com a Internet, notório pelas estatísticas do tráfego médio de dados fixos por acesso que aumentou 55% em 2020 e 21,3% em 2021, atingindo novos máximos históricos. (ver https://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1719518) Mas o que nos diz a Lei sobre quem deve suportar as despesas adicionais?
A Lei veio atribuir ao empregador a obrigação de custear as despesas adicionais incorridas pelo colaborador com o uso e a manutenção dos equipamentos e sistemas informáticos ou telemáticos, incluindo os acréscimos de custos de energia e da rede instalada no local de teletrabalho em condições de velocidade compatível com as necessidades de comunicação de serviço. O critério adotado pelo legislador laboral assume natureza essencialmente comparativa, porquanto se passou a prever expressamente que as despesas a suportar pela empresa são as correspondentes à aquisição de bens ou serviços de que o colaborador não dispunha antes da celebração do acordo de teletrabalho e as determinadas por comparação com as despesas homólogas no mesmo mês do último ano anterior à aplicação do referido acordo.
Por último, resultou clarificado que, para efeitos fiscais, o pagamento das despesas acima identificadas deverá ser considerado custo para o empregador e não constitui rendimento do colaborador. Em todo o caso, recomenda-se uma análise casuística deste ponto, na medida em que o mesmo encerra questões relativas ao enquadramento laboral e fiscal de soluções que prevejam o pagamento de uma quantia fixa ou, eventualmente, de montantes superiores aos que resultariam da aplicação do critério legal.
Apesar de a Lei apoiar o colaborador, parece que estas medidas não são do conhecimento do público geral, uma vez que poucos solicitam o seu direito ao reembolso pelos custos adicionais. Por outro lado, as organizações também relatam falta de comunicação com outras entidades empregadoras e com o Estado, tornando-se ambíguo como alinhar as despesas. Há um longo caminho a percorrer para atingir um regime de teletrabalho equilibrado.
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»»»» Laura Andries é consultant da SHL Portugal; Pedro Ferreira de Sousa é associado coordenador da área de Laboral no escritório do Porto da Vieira de Almeida (VdA)