Novos modelos de trabalho

A pandemia de Covid-19 contribuiu para a evolução de novos modelos de trabalho à distância e desafiou as organizações, bem como o legislador laboral, a acompanhar as vontades e necessidades dos trabalhadores.

Texto: Rita Rocha/ Madalena Duarte Ferreira

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Para garantir o sucesso destes modelos, as organizações preocupam-se em construir um espaço de trabalho cada vez mais digital e flexível, fornecendo as condições necessárias para o desempenho do trabalho remoto, assegurando a produtividade. É no entanto essencial que os colaboradores sejam envolvidos num projeto estratégico que promova a adoção de um mindset digital e das competências necessárias para usufruir e utilizar as ferramentas disponibilizadas.

A geração millennial, que hoje representa grande parte da força de trabalho das organizações, foi a primeira geração a crescer imersa no digital. Consequentemente, os millennials estão na linha da frente da transformação digital nas organizações e procuram alcançar o mesmo tipo de experiência no trabalho que sempre tiveram na sua vida pessoal: liberdade e flexibilidade.

Enquanto os millennials estão a transformar o espaço de trabalho mais digital, a geração Z (a próxima geração nas empresas) desempenhará um papel importante nos contornos da tecnologia no modelo de trabalho do futuro. Juntos, reforçam a oportunidade de colaborar com recurso a tecnologia que lhes permita trabalhar a partir de qualquer lugar, valorizando as funções e as organizações, que mais rapidamente se adaptem a este modelo flexível de trabalho.

Simultaneamente, o sucesso do trabalho remoto conduziu a significativas alterações ao Código do Trabalho – recentemente aprovadas – que pretendem regular quer o teletrabalho exclusivo (100% realizado à distância), quer modelos híbridos (alternando entre trabalho presencial e à distância), através da celebração de um acordo escrito, o qual deixa de estar sujeito aos limites máximos de vigência atualmente em vigor.  

Sem prejuízo das empresas poderem estabelecer as condições de acesso ao teletrabalho em regulamento interno, a nova lei continua a prever casos excecionais em que o teletrabalhador pode exigir o teletrabalho, mas agora com um âmbito alargado: (i) pais com filhos até oito anos, (ii) vítimas de violência doméstica e (iii) cuidadores informais.

Em qualquer caso, a nova lei impõe que as despesas adicionais incorridas pelos trabalhadores, que sejam consequência da aquisição ou uso dos equipamentos e sistemas informáticos na realização do trabalho, sejam suportadas pelas empresas. 

O teletrabalho acarreta novos desafios às empresas a nível da vigilância e controlo do trabalho, não podendo ser utilizados meios de controlo que possam afetar o direito à privacidade do trabalhador (p.e., a captura e utilização de imagem, som, escrita ou histórico).

Atentos os efeitos da constante conexão na delimitação dos tempos de trabalho e de descanso, a nova lei consagrou o direito do trabalhador estar off-line, que se traduz num «dever de abstenção de contacto» por parte do empregador, no período de descanso do trabalhador, salvo em situações de força maior.

O teletrabalho exclusivo, bem como o modelo híbrido e a digitalização representam uma oportunidade de corresponder às expectativas das novas gerações, possibilitando atrair e recrutar novos talentos.

Em função da crescente flexibilidade e liberdade do trabalho, a tendência que se verificará nos próximos anos será a de o legislador acompanhar e agregar os diferentes modelos de trabalho e as diferentes vontades dos trabalhadores e das empresas e regulá-las todas de acordo com um só regime, perspetivando-se, cada vez mais, o trabalho como individualizável e individualizado. 

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»»»» Rita Rocha é associada da área de Laboral da Vieira de Almeida (VdA); Madalena Duarte Ferreira é consultora na SHL Portugal