Raul de Orofino, keynote speaker da «Conferência Human 2021»
«Queiram de verdade escutar as pessoas!»

É o keynote speaker da edição de 2021 da «Conferência Human», que vai realizar-se a 12 de novembro no Lagoas Park Hotel, em Oeiras. Ator, autor, orador e professor de inteligência emocional, Raul de Orofino vai abrir o evento intervindo sobre o tema «Reinventar para ser mais humano». A «Conferência Human», organizada pela revista com o mesmo nome, tem este ano como tema genérico «O Mundo do Trabalho Reinventado», estando as inscrições a decorrer, com descontos ate15 de outubro.

Texto: Redação Human

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O Raul vai ser keynote speaker na «Conferência Human 2021», precisamente quando completa 40 anos de carreira. Como olha para todo este percurso, para os desafios que enfrentou, para os tempos que vivemos?

Em primeiro lugar, quero agradecer o convite para ser o keynote speaker na «Conferência Human 2021». Fiquei muito contente e estou cheio de entusiasmo para poder realizar esse trabalho.

Olhando para todo esse tempo, sinto que vivi muita coisa, aprendi muito, nunca pensei ir pelos caminhos que fui. Sou grato por tudo o que me aconteceu, aprendi a ser uma pessoa melhor. O trabalho nos fortalece. As crises económicas acontecem e elas não me paralisam. Sempre penso num meio de poder trabalhar, pois preciso pagar as contas. Assim foi em 1990, quando criei o Teatro ao Domicílio, e tinha nove anos de carreira. Aí já comecei a me reinventar e aprendi a administrar a carreira. Tive que me reinventar muitas vezes nesses 40 anos. Dar palestras nas empresas foi algo que naturalmente aconteceu, eu não planejei isso. Como sou um autor de teatro, após as apresentações conversava com as pessoas, eu já fazia terapia para autoconhecimento. Um executivo me procurou e me perguntou se eu sabia se aquela conversa era uma palestra. Fiquei surpreso, ele então me contratou para apresentar o espetáculo e dar a palestra depois: assim que começou minha história nas empresas. Ele me contratou quatro vezes, como vi que deu certo, aí tive a atitude e pedi uma carta de recomendação para ele. Com essa carta nas mãos, eu a distribui para as maiores empresas do Brasil, dizendo que eu era um «ator-palestrante», como o executivo tinha me chamado. Foi maravilhoso, passei a ter acesso a um mundo empresarial que minha carreira «normal» de ator não permitiria. Não era melhor, nem pior, mas diferente. Passei a almoçar com CEOs [chief executive offciers], diretores, mesmo depois de meus espetáculos-palestras, que me contavam coisas que se um jornalista soubesse seria um «prato cheio» para ótimas reportagens. São seres humanos diante de outro ser humano (eu), e eu os escutava. Isso acontece até hoje, alguns ficam meus amigos.

Em relação ao tempo que vivemos, há muitos anos, quando percebi que estava a acontecer um brutal desenvolvimento tecnológico no mundo, achava que nossas vidas iam ficar mais fáceis, que a tecnologia nos daria mais conforto, e deu em alguns sectores. Pensei também que íamos ter mais tempo para aproveitar a vida. Hoje vi que isso não acontece. Crescemos na tecnologia, mas não crescemos muito no nível humano. Não houve um real casamento entre o humano e o tecnológico. A intolerância em relação às diferenças das pessoas é enorme, os movimentos no mundo da extrema-direita crescem, e parece que estamos na Idade Média. Claro que isso se reflete nas empresas, pois elas são feitas de pessoas. A intolerância está lá, e por incrível que pareça cresceu.

Vejo muitas pessoas seguindo comportamentos completamente doentes em termos emocionais. Hoje, temos que trabalhar para que a consciência se amplie para termos seres humanos mais lúcidos e generosos. Claro que há muita gente lúcida, mas há muitas pessoas que não estão.

Na sua carreira, o período maior é em Portugal. Que país encontrou quando chegou?

São 22 anos em Portugal dos meus 40 anos de carreira. Quando cheguei encontrei um país com um sentimento grande de prosperidade, uma vontade grande de crescer. Em 1999, era ainda recente a entrada de Portugal na União Europeia.

Vi um país mais puro, genuíno, com um grande coração. Existiam problemas no emocional das pessoas, claro. Mas tudo podia ser trabalhado, havia um sentimento de querer crescer muito grande. Tive reuniões tanto com grandes empresas nacionais como com multinacionais, em inglês, em francês, com diretores alemães, franceses. E depois as pessoas riam, e assimilavam conhecimentos.

Percebi várias vezes preconceitos dos próprios portugueses com os portugueses. Explico: me contratavam, estavam contentes, mas faziam questão de me avisar que os portugueses não riam muito, que são muito sisudos – você sabe, o fado… – e na hora que o espetáculo acontecia as pessoas choravam literalmente de rir. Isso aconteceu muitas vezes, o mesmo texto. Os portugueses podem gostar do fado, mas também gostam de rir.

Mas creio que a pureza que encontrei era maior do que hoje.

Podemos dizer que o seu ponto de partida é o teatro? E foi daí que você construiu a sua carreira?

Eu sou de teatro, não há como negar. Foi ele que me abriu tudo, foi ele que me fez melhorar como ser humano. Explico. É uma profissão em que você precisa entender a alma humana, e aí fui me «aparelhar» para isso, foram anos de muita terapia de diversos tipos. Para mim, não adiantava fazer o «caminhar do personagem» mas entender porque ele caminha daquela maneira.

E fiz na minha época de formação os melhores cursos com os melhores professores/ atores no Brasil, sou muito grato.

E por necessidade de me reinventar, fui ser autor e encenador dos meus espetáculos. Com 40 anos de carreira, posso dizer que sou um bom ator, mas são meus textos, o conteúdo do que digo, que é o que interessa às empresas. E claro que a forma que digo é a de um ator. Uma vez perguntei a uma diretora de comunicação de um banco se o novo texto que tinha criado poderia ser «picante» para eles, e ela simplesmente me respondeu: «Tu, podes dizer o que quiseres, pode tens uma forma delicada e afetiva de dizer as coisas, na boca de outra pessoa poderá parecer pesado, mas na tua não!» Foi um grande elogio a mim e ao teatro.

Uma vez, dando aulas de Inteligência Emocional, onde não faço personagens, um formando me chamou a atenção de que quem dava as aulas era um ator, que tinha noção dos tempos cómicos, que sabia se expressar bem para que a mensagem fosse clara. Eu tive que concordar, dou aulas, brinco ao dar os exercícios, tenho um tempo cómico que aplico. Minhas aulas não são nada chatas, são lúdicas, e as pessoas têm o prazer de assimilar as mensagens e aprender.

A reinvenção foi algo com que teve de confrontar-se, como disse…

O tempo todo tive que me confrontar com ter que me reinventar, foram muitas crises que aconteceram. Eu olhava e me perguntava – como vai ser?

Aí vinham ideias próprias que eram necessárias ser ditas naquele momento, como por exemplo ver as vendas das empresas caírem. Ninguém de recursos humanos me contratava, claro. Mas o sector comercial sim, pois as vendas caíam mesmo. Houve uma dretora comercial que me procurou em 2013 e me disse claramente: «Meus vendedores estão tristes. Por favor, dê um pouco de alegria para eles, para eles enxergarem que ainda podem rir, pois eles precisam de força para esse difícil momento. Foi muito bonito, pois ficaram com mais coragem para lidar com aquele difícil momento e passaram a reinventar a maneira deles de abordarem os clientes.

E aí senti que tinha mesmo que me aproximar de diretorias comerciais, pois eu também precisava vender.

Eu realmente observo a realidade e as pessoas. Recentemente, por causa da pandemia li pelas estatísticas que uma entre cinco pessoas está com depressão e ansiedade, e elas têm medo de assumir no trabalho isso, pelo estigma que isso tem. Uma executiva que já me contratou há uns anos me disse: «Você precisa dar força para essas pessoas agora, você é um personal trainer de inteligência emocional!»

Mais uma vez uma pessoa de empresa me dizendo o que sou… Então acabei de criar nesse momento o meu trabalho de personal trainer de inteligência emocional, seja para ser aplicado individualmente ou em grupos, conforme a empresa desejar.

Como é que um homem que já fez teatro em palco, nos aviões, nas casas das pessoas, por exemplo, fala nas empresas? Para executivos, equipas, etc?

Falo para todas as pessoas de todos os sectores: compras, diretorias, sector de risco, vendas, equipas…onde há pessoas, me adapto. Apresento minhas histórias e a palestra é sempre adaptada para a necessidade do sector. Isso só acontece porque falo de pessoas para pessoas. Há pessoas que têm medo de mudar, medo de lidar com a diferença do outro, medo de perder o emprego e até têm medo de viver. E se há medo nelas, há que reforçar o prazer de estarem vivas no presente, desligá-las do «piloto automático» para terem mais entusiasmo diante daquilo que é o novo, que é a própria vida.

E depois dos espetáculos-palestras, Portugal me abriu mais uma porta. Foi em 2009, depois de estar aqui 10 anos, um diretor de marketing que fazia a gestão da Pós-graduação em Gestão Hoteleira me convida para dar aulas de Inteligência Emocional na Universidade ISLA Laureate (atual Europeia). Perguntei logo para ele: «Porquê eu?» E ele: «Por que tens uma inteligência emocional desenvolvida, já te assisti quatro vezes e entro de uma forma e saio de outra. E creio que tens mensagens fundamentais para os meus formandos.»

Fui dar as aulas de maneira absolutamente não convencional. Pedi para retirarem mesas, cadeiras, e apliquei exercícios psicofísicos.

Ninguém usava lápis, papéis, powerpoints. Era apenas o formando com o seu próprio corpo, reaprendendo a ser responsável por si. O resultado era brutal, formandos passaram a não conviver mais em grupinhos, todos passaram a se relacionar uns com os outros. E ficaram mais fortes para lidarem com as novas aprendizagens e desafios das outras cadeiras. Foram três anos dando aulas na universidade, e depois adaptei essas aulas para formatos de workshop que são aplicados para a empresa toda, ou só para lideranças ou só para os comerciais, ou só para atenção ao cliente. Então foi um executivo (mais um) que me levou a fazer um trabalho diferente.

Posso dizer que atualmente, seja através dos espetáculos-palestra ou dos workshops de Inteligência Emocional, eu realmente realizo um trabalho de educação emocional nas empresas, com leveza e humor.

Como olha agora para esse mundo e para as suas pessoas? Para o mundo do trabalho, no fundo…

Creio que há um certo caos no mundo. Mencionei que a intolerância cresce, há políticos que governam países que são complicados, intolerantes e estimulam comportamentos nocivos das pessoas. Cresce no mundo um movimento de fascismo em que as pessoas odeiam as diferenças, os estrangeiros que residem nos países, os refugiados, pessoas de cor, gays, etc. E o crescimento da ideia de que o mundo só pode ser do jeito que eu quero. Isso é perigosíssimo.

Isso me fez escrever um novo texto sobre essa intolerância que começa muitas vezes nas escolas com os miúdos. Criei a história de um avô que tem dois netos, um miúdo de 11 anos, e uma miúda 6 anos que é anã. Os netos vão passar 10 dias com os avós, e a miúda sofre uma agressão emocional por ser anã. E a maneira como o avô resolve isso é muito humana e criativa.  É o meu mais novo texto, quero apresentá-lo nas empresas para podermos falar de maneira séria e responsável sobre esses comportamentos nocivos, de forma lúdica.

A hora é agora para abordarmos essas questões, pois em Portugal também começa a crescer um movimento de extrema-direita que algumas pessoas apoiam. Isso é um cancro, e tem de ser parado já.

O que nos tem trazido a tecnologia nestes anos mais recentes?

Há coisas excelentes que a tecnologia nos trouxe, novas maneiras de usufruirmos de comunicações com outros continentes de forma rápida e aparentemente grátis. A tecnologia teve um excelente papel na pandemia, nos deu meios para prosseguirmos o trabalho, e até de nos divertirmos trancados em casa com os netflixes e youtubes da vida. Poderão dizer que não era perfeito, mas muitos conseguiriam por a vida a andar.

Mas ao mesmo tempo, a tecnologia é também utilizada de forma desequilibrada. As redes socias surgiram, a priore são ótimas, conseguimos efetuar bons negócios, boas parcerias, boas vendas. Mas ao mesmo tempo muitas pessoas as usam de forma assustadora, pois há um excesso de vaidade. As redes sociais podem ser utilizadas de forma construtiva, elas têm força, conseguem mobilizar pessoas até para ações humanitárias, mas ao mesmo tempo passaram a existir «sábios» que opinam sobre os mais variados assuntos sem terem conhecimento científico para tal. O que importa é aparecer, seja em que profissão for. A carência humana cresceu de forma assustadora, e passou a ser importante mostrar de forma desequilibrada o prato que você come. Você pode até tirar uma foto de um prato de vez em quando, mas há quem tire todos dias a fotografia do prato.

Há nas redes sociais um pedido assustador de que «me amem, me aprovem». O problema não são as redes sociais, mas a maneira como elas são administradas.

E a pandemia, com o que é que nos confrontou?

A pandemia bateu á nossa porta literalmente a dizer: «Podemos morrer!»

O confronto direto com a doença e com a possibilidade de morrermos.

No primeiro ano não existiam vacinas, tudo era novo. Vimos quilos de pessoas morrendo no mundo, aqui do lado, em Espanha, Itália.

As pessoas reagiram de diferentes maneiras: encarando que isso, a morte, pode acontecer, e vou me cuidar, ou não quero saber disso, os jornais mentem, e houve o aparecimento dos negacionistas. E há ainda muita gente que não gosta de pensar que um dia vai morrer, e era impossível não pensar sobre isso, as imagens da televisão entravam em nossas casas.

Há quem tenha ficado com sequelas, a pandemia abrandou muito com as vacinas, mas não terminou.

Tivemos que recriar o trabalho, muitos sobreviveram porque poderiam trabalhar on-line, e muitos faliram.

Ainda vamos ver os resultados de tudo isso.

Eu tive que reinventar o meu trabalho mais uma vez, e o adaptei para ser feito on-line. Há quem diga: não é a mesma coisa. Claro que não é, mas é bom também. Eu como sou ator, adaptei as histórias para serem ditas na câmara, e a maneira que eu contava fazia as pessoas rirem e se emocionarem. No dia em que me apresentei para uma empresa que está em Portugal, Angola e em grande parte do Brasil, com todas as pessoas juntas desses países, pensei: «Que bonito, todos conversando de diferentes culturas. A conversa vinha depois na palestra com as perguntas. Eu nesse dia tive a certeza de que on-line aproxima culturas. Já era usado antes da pandemia, mas foi fortalecido.

Claro que reparei que havia pessoas que tinham medo da câmara e até desligavam suas câmaras durante a transmissão. Aí resolvi dar o curso «A Arte de Falar Online», baseado em princípios de Inteligência Emocional. Novamente me reinventando…

Pode parecer estranho dizer isso, mas a pandemia, além do terror mesmo que trouxe, abriu novas portas. Cabe a nós nos reorganizarmos e colaborarmos para que as sociedades funcionem de forma mais equilibrada e justa, pois muitas pessoas sofreram perdas económicas, dado que a ajuda vinda de governos não era o bastante. Todos sabemos disso.

Como acha que vamos sair de tudo isto? Pessoas, empresas, a sociedade…

Com solidariedade, com mais conhecimento e prática do amor. O amor de que falo é aquele amor que você tem respeito pela vida do outro, que é realmente empático, e que deseja que o outro possa usufruir da vida de maneira no mínimo saudável, onde possa dormir, comer e ter acesso àquilo que é básico. O egoísmo, que vejo que é crescente, tem que ser substituído por compaixão. Os danos são muitos que essa pandemia fez. A hora para nos reinventarmos é agora e essa reinvenção passa por aprendermos a ser empáticos e olharmos mesmo para o outro.

Você tem uma imagem inabalável de otimista. Sente-se muito acompanhado nessa sua postura, na vida, no trabalho?

Às vezes sim, às vezes não. Vejo pessoas agindo por um bem comum, e partilhamos ideias, e até projetos juntos. Mas também vejo pessoas que só olham para a «sua barriga».

E muitas dessas olham para a barriga porque não tiveram uma formação adequada em que pudessem perceber com saúde emocional a vida e as outras pessoas com suas diferenças.

Já vi pessoas na minha frente aprendendo a olhar para os outros, em minhas formações, em horas. O ser humano pode evoluir, basta que deem as formações adequadas seja com quem for.

Estamos aqui para aprender, o caminho do aprendizado é eterno. Os gregos já diziam: «Sei que nada sei!»

Pode falar-nos do que será o ponto de partida na sua intervenção na «Conferência Human»?

O ponto de partida é de falar de pessoas que por escutarem outras pessoas podem começar a se reinventar. Mas escutar com humildade, e perceber que podem ir para novos caminhos.

E pode adiantar-nos uma mensagem forte para quem gere pessoas nas empresas nestes tempos tão desafiantes?

Queiram de verdade escutar as pessoas! Escutá-las não é apenas escutar o som que sai da boca delas, mas também quando elas estão caladas. Olhem mesmo para as pessoas, escutem «o silêncio delas», e verão quem são essas pessoas. Há muita gente triste que precisa de boa motivação, que alguém lhes motive para encontrarem sua própria força. Todos merecemos ter uma boa vida.

E agradeço à «human» essa oportunidade de poder falar com todos vocês. Gostei muito!

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»»»» Raul de Orofino é ator, autor, orador e professor de inteligência emocional. A sua biografia completa pode ser consultada aqui, no site que criou.