Numa era onde é cada vez mais difícil separar o tempo de trabalho do de descanso, é importante não esquecer que este último é tão ou mais importante que o primeiro.
Texto: Marina Costa Cabral/ Isabel Paredes
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O «direito ao repouso e aos lazeres», constitucionalmente protegido e que encontra reflexo no Código do Trabalho, permite que o trabalhador, em determinados períodos, recupere do desgaste físico e psíquico do trabalho, bem como disponha de tempo útil para si próprio e para as suas atividades extralaborais.
Durante estes períodos de repouso, o trabalhador, em princípio, deverá beneficiar do muito falado «direito à desconexão». Embora este não tenha, ainda, reflexo expresso em legislação específica (na aceção que, por exemplo, encontramos em França), é subentendido que, durante o repouso do trabalhador, o empregador não poderá «importuná-lo» com temas profissionais, de modo a garantir que o descanso e o lazer sejam efetivamente respeitados. É também pressuposto deste «direito à desconexão» que o trabalhador possa recusar-se a atender a chamada ou a responder à solicitação do seu empregador, sem que tal tenha qualquer consequência negativa para si, nomeadamente em matéria disciplinar.
São diversos os estudos que mostram o potencial de interferência negativa das TIC no equilíbrio trabalho-vida pessoal e na possibilidade de recuperação do desgaste mental e físico causado pela atividade profissional. Esta recuperação é essencial para repor os níveis de energia e garantir o bem-estar e a produtividade. Passa por conseguir distanciar-se psicologicamente do trabalho, relaxar e dedicar-se a atividades diferentes que proporcionem oportunidades de aprendizagem e gratificação.
No entanto, em termos práticos, garantir o «direito à desconexão» tem assumido uma dificuldade cada vez maior, na medida em que se presume que estamos sempre on-line e disponíveis. Este problema – que não é novo e para o qual o atual enquadramento legal possui algumas respostas –, foi acentuado pelo esbatimento das fronteiras entre trabalho e descanso que se verificou por força dos sucessivos confinamentos e do regime imposto de teletrabalho, tendo surgido bastantes relatos de trabalhadores cujos tempos de descanso deixaram, pura e simplesmente, de ser respeitados pelos empregadores (por exemplo, marcação de reuniões à hora de almoço, envio de solicitações depois do termo da jornada de trabalho). Por outro lado, o próprio trabalhador sente-se pressionado e compelido a responder às solicitações, com medo de eventuais represálias que tais ausências de resposta possam gerar, ignorando, assim, um direito que lhe é constitucionalmente garantido. É neste contexto de necessidade de adequação do enquadramento legal às situações em que o direito ao descanso é comprimido nos seus limites, que se situa o atual debate jurídico em curso em Portugal sobre o «direito à desconexão», porquanto a inexistência de uma fronteira expressa em muitos casos entre aquilo que são os momentos de disponibilidade para o trabalho e os períodos de descanso impacta severamente na saúde e bem-estar dos trabalhadores.
Entretanto, é importante adotarmos algumas medidas auto protetoras, como estabelecer horários e objetivos diários e respeitá-los, desligar os equipamentos eletrónicos durante as horas destinadas ao lazer e à família, e não ceder à tentação de estar constantemente a consultar a informação e as mensagens que nos chegam através dos mais diversos canais.
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»»»» Marina Costa Cabral é associada sénior da Vieira de Almeida (VdA); Isabel Paredes é partner e chief psychologist da SHL Portugal