Jorge Araújo
«O que faz a diferença é a atitude e o comportamento do líder.»

Jorge Araújo, fundador e líder da consultora Team Work, é o keynote speaker da «VII Conferência Human», que se realiza esta semana em Lisboa. Oportunidade para uma conversa com um homem para quem «na liderança o que faz a diferença é (e sempre será) a atitude e o comportamento do líder».

Texto: Redação «human»/ Foto: Team Work

 

Acha que nos últimos anos a generalidade das empresas mudou de alguma forma a sua atitude em relação às suas pessoas?

Em termos gerais a resposta é afirmativa. Principalmente se olharmos para o que as empresas afirmam cada vez mais. No entanto, e no que respeita ao cumprimento da regra básica que é na atitude positiva concreta do seu dia-a-dia que as lideranças devem fazer a diferença para melhor, estamos longe de ter atingido a meta pretendida. O problema em tudo o que se refere à área comportamental das lideranças das empresas é que não se trata tanto de dizer, de saber, de já ter ouvido ou lido, ou frequentado um MBA, etc. Urge fazer, dar exemplos, estar atento e ser capaz de dar os feedbacks necessários consoante as circunstâncias.

Novas tecnologias, chegada de novas gerações ao mundo do trabalho, competição nos mercados… Que desafios se têm colocado às empresas na gestão das suas pessoas?

Na própria pergunta está contida a dificuldade principal. As pessoas não se gerem, as pessoas lideram-se. A gestão racionaliza, a liderança inspira e mobiliza. Todas as pessoas (nós todos) são motivadas e motiváveis, por vezes os enquadramentos em que trabalham é que as desmotivam. O que significa que os desafios de que fala não são novos, pelo contrário. São de sempre. A dificuldade está em nós, os que lideramos, não nas novas tecnologias ou nas gerações.

E quanto a desafios na atratividade e na retenção de talento, um tema de que muito se fala?

Está hoje comprovado em termos globais que todos os seres humanos não se mobilizam simplesmente pelo dinheiro, pois este só é decisivo por razões de sobrevivência. Envolvemo-nos e responsabilizamo-nos cada vez mais quando somos tratados com justiça (não por igual), recebendo feedback constante acerca do que estamos e como estamos a fazer, sendo distinguidos e reconhecidos quando assim o justificamos, tendo consequências constantes acerca do que fazemos mal ou bem. Ora, se no quadro atual tal ainda não se verifica, só há uma conclusão a retirar: as lideranças respetivas não estão a fazer o seu trabalho.

No trabalho que desenvolve, que desafios lhe colocam maioritariamente as empresas?

Terem-se deixado influenciar pelo conceito fatídico de que as pessoas são recursos (recursos humanos), esquecendo a sua complexidade e a sua sensibilidade, principalmente que as pessoas só têm desempenhos ao nível da excelência quando mentalmente focadas, fisicamente saudáveis, emocionalmente positivas, socialmente empáticas e espiritualmente ambiciosas.

A sua experiência do desporto continua a ajudá-lo no seu trabalho?

Obviamente que sim, pois venho de um meio profissional onde, desde muito cedo, aprendi que quem joga são os jogadores e não os treinadores, e que mais importante do que os resultados que alcançamos ao longo da nossa carreira é a herança que deixamos ao nível das atitudes positivas daqueles com quem trabalhamos. No fundo, duas mensagens poderosas para as empresas e os seus líderes: preocupem-se em ensinar e preparar colaboradores para que possam delegar sem receios de qualquer espécie e sejam exemplos de atitudes e comportamentos ao serviço de objetivos comuns.

O próprio desporto tem mudado muito. Poderá ser incorreto falar apenas de mudanças por que passam as empresas, devendo antes falar-se de mudanças globais, que tocam um pouco de tudo na nossa sociedade?

Completamente de acordo. Desporto ou empresas, estamos a falar de organizações compostas por pessoas que, ao serviço de objetivos comuns, necessitam de relacionar-se e mobilizar-se mutuamente. Enquanto seres humanos, estamos sempre a comunicar, mesmo quando não falamos, o que significa que rapidamente os outros, os liderados, se apercebem se os seus líderes são de confiança e apelam ao compromisso sendo emocionalmente convincentes no modo como comunicam. E, caso assim não aconteça, não é uma questão do desporto ou das empresas, mas de nós os que temos a responsabilidade de os liderar.

Nota diferenças significativas no seu trabalho com equipas nas empresas, em relação a gerações mais jovens e a outras com mais tempo no mundo do trabalho?

Registo nos últimos anos que, em quase todas as empresas que buscam a nossa colaboração, existe a perceção da dificuldade contida no modo como colaboradores e líderes comunicam entre si ao serviço de objetivos comuns. Mas vai ainda faltando em geral a capacidade comportamental para assumir que o problema não são os outros, mas sim nós, os que lideramos, ou nós, os que sendo companheiros de trabalho não somos ainda capazes de com assertividade darmos aos que connosco trabalham o feedback de que precisam para melhorar atitudes e comportamentos ao serviço da organização a que pertencemos. Ainda detestamos vermo-nos ao espelho, preferindo, ou retirar os espelhos (e assim não nos vemos refletidos…), ou contratar aqueles que interpretam na perfeição o papel contido na história infantil perante a pergunta «espelho meu, espelho meu, há alguém mais belo do que eu?».

Que conselhos daria aos líderes empresariais para a relação com as suas pessoas?

Naturalmente, não me atrevo a dar-lhes conselhos. Prefiro observá-los antes, acompanhando o seu dia-a-dia, e durante o tempo que esteja com eles procurar confrontá-los com a necessidade de cuidarem, observarem, agirem, comunicarem e ajudarem aqueles que lideram. Estando hoje bem evidente que a nossa comunicação diária acontece em percentagem elevada de forma inconsciente e conforme os hábitos previamente adquiridos (o treino comportamental recebido), qualquer líder empresarial precisa de ter bem claro que se lhe exige estar atento e saber permanentemente qual o impacto que está a ter em cada momento naqueles que lidera. E tal só será possível se ao seu redor possuir quem lhe fale verdade e não tema ser portador de mensagens negativas.

O tópico da liderança poderá ter cada vez mais importância?

Sempre teve enorme importância ao longo dos séculos, e por isso mesmo constituiu permanentemente uma preocupação central em todas as áreas da vida coletiva dos seres humanos. A grande diferença para os dias de hoje é que na atualidade já não podemos fugir à afirmação de Shawn Gallagher no seu livro «How the Body Shapes the Mind», de 2005, logo na primeira página: «podemos ver as nossas próprias possibilidades nas caras daqueles com quem nos relacionamos». Ou seja, sem os outros (aqueles que nos rodeiam), não temos informação suficiente acerca do que vamos fazendo. O que obrigará no próximo futuro todos os líderes a rodearem-se daqueles que, da empresa (quadros seniores), ou contratados externos (consultores), lhes garantam o feedback de que precisam para gradualmente se tornarem emocionalmente convincentes.

De que estamos a falar, nas empresas, quando falamos de liderança?

Estamos a falar de tudo o que inspira e mobiliza a motivação das pessoas para que se transcendam ao serviço dos objetivos comuns previamente apontados. Mais concretamente, referimo-nos a confiança, comunicação frontal, envolvimento/ participação/ responsabilização, organização/ alinhamento/ competências/ empenho, objetivos comuns e desafiadores, gestão de emoções/ pressões/ conflitos, reconhecimento/ distinção.

Como perspetiva o futuro da gestão das pessoas, num mundo tão marcado pela mudança?

Tal como referi, não perspetivo nada de bom se persistirem no mundo das empresas em gerir, em vez de liderar. E o curioso desta mistificação constante acerca do modo de liderar seres humano, reside em que, por um lado, desde que nascemos todos revelamos através da nossa plasticidade cerebral enorme capacidade de adaptação à mudança. Ou seja, se há uma coisa para a qual os seres humanos estão preparados é para mudar. E, pelo outro, ninguém lidera com eficácia enquanto não assumir que aqueles que lidera precisam que, em cada momento, se tenha para com eles a atitude e o comportamento de que eles precisam e não aquele de que eu gosto. Resumindo, saibamos contrariar tudo aquilo que em líderes e liderados constitui a sua zona de conforto e acabemos de vez com a ideia de que se lidera através de técnicas e ferramentas. Na liderança o que faz a diferença é (e sempre será) a atitude e o comportamento do líder.

Como se sente no papel de consultor que é desafiado por estes temas no seu trabalho?

Como um treinador que aprendeu cedo na sua vida profissional que não há mobilização da motivação sem consequências para quem faz bem ou mal e que, hoje, no processo de doutoramento em filosofia comportamental que em breve terminarei na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, reforçou a dimensão do significado contido nas afirmações, «aprender a fazer fazendo» e «treinar como se joga».

O seu trabalho junto das empresas tem mudado muito ao longo dos anos? Houve da sua parte a necessidade de algum tipo de adaptação? E no desporto também passou por um processo semelhante?

No desporto, como nas empresas, necessitei de perceber o significado (e praticar diariamente) o que significa a afirmação «só me senti verdadeiramente treinador quando me desprendi do meu umbigo».

Refiro ainda que abordei recentemente o tema «A Ciência e a Experiência», e gostaria de deixar aqui expressa essa minha opinião. Enquanto seres humanos, somos corpos vivos que possuem órgãos sensoriais que se relacionam com o meio ambiente em que nos inserimos com base nas nossas necessidades biológicas. Necessidades nossas, internas e não simplesmente provocadas por eventuais estímulos exteriores. E é com o propósito de satisfazermos essas nossas necessidades que nos movimentamos enquanto criaturas biológicas. Com base num corpo que habitamos como veículo da nossa experiência subjetiva.

Isto significa que, antes de conhecermos cientificamente o nosso corpo, já vivemos entretanto uma determinada experiência do mundo. Quando percecionamos a realidade em que nos inserimos, não somos seres passivos, pois estamos num envolvimento ativo com tudo o que nos rodeia. E o que percebemos tem um significado determinado devido ao interesse e à valorização emocional, estética, económica, etc que atribuímos em cada momento ao que procuramos perceber. Um valor prévio originário atribuído sempre ao que experimentamos através da influência social de que fomos alvo.

Aquele que percebe está no mundo, age sobre o mundo e é influenciado por ele. Constituindo a nossa perceção um envolvimento ativo e prático, em que lidamos diretamente com as coisas, os objetos, as pessoas, as situações.

Isto permite-nos concluir que, mais do que conhecer cognitivamente o nosso funcionamento, devemos assim experimentar, viver. Mas o mundo tal como o vivenciamos e vamos percebendo está entretanto afetado pelas relações existentes entre nós, os outros e as coisas, adquirindo sempre essa perceção um determinado sentido e um significado. Percebemos assim o que nos rodeia de modo conforme com a nossa perspetiva e descrevemos o que percebemos segundo os nossos pontos de vista, sempre a partir do contexto cultural e histórico em que nos encontramos. Quando falamos de uma coisa ou de uma pessoa, fazemo-lo a partir da nossa perspetiva, do lugar em que estamos, da distância a que o fazemos. E, naturalmente, fazemo-lo de um modo subjetivo. Somos seres humanos, sujeitos incorporados, ativos, que nos movimentamos com a intencionalidade motivada pelo significado contido no que nos rodeia, comportando-nos sempre com uma determinada intenção e significado.

Por isso mesmo, cada um de nós, (incluindo os próprios cientistas), experimentamos o mundo segundo o nosso próprio ponto de vista. Ora, a noção da ciência como empírica, implica que os cientistas estão situados no mundo, não fora dele e numa posição distanciada. A visão científica, por definição, tem com origem alguém, algum lugar. Não é por isso mesmo uma visão impessoal, mas uma conceção interpessoal, algo com que todo o observador competente pode concordar. Sendo assim, ao fazermos ciência procuramos transcender as nossas perspetivas individuais para alcançar uma visão das coisas que possamos partilhar com outros indivíduos. Isto impõe que a compreensão qualitativa do mundo que nos rodeia precisa assim de ser capaz de transcender a clássica visão científica do mundo e atribuir valor e significado às relações (aos comportamentos) que, enquanto seres humanos, temos de estabelecer. Quando cada ser humano diz ou pensa o meu corpo, não refere algo a ser observado, mas algo que vivemos, que é parte de nós e que é essencial ao nosso envolvimento com o mundo.

Concluímos então que…

Que a observação das coisas pela ciência envolve uma interação com elas, não sendo nunca completamente distanciada. E como só podemos interagir com as coisas do mundo se fazemos parte desse mesmo mundo, a ciência e os cientistas, na sua tentativa de entender racionalmente o mundo, dependem afinal da respetiva experiência de vida.

 

 

»»» Jorge Araújo, antigo selecionador português de basquetebol e treinador campeão nacional, é presidente da Team Work. Esta empresa portuguesa de consultoria e treino comportamental de pessoas e equipas foi fundada em dezembro de 1997 precisamente por Jorge Araújo, tendo a sua sede no Porto. Com mais de duas décadas de experiência a treinar pessoas e equipas para o alto rendimento, está também em Moçambique desde 2006 e em Angola desde 2007. É o somatório de um vasto leque de competências que se complementam. A originalidade e a inovação dos seus serviços nascem da conjugação de experiências profissionais e académicas diversificadas que congregam treinadores de alto rendimento, consultores, atores, psicólogos, gestores e técnicos.