Adelino Cunha:
«A maioria das pessoas não sabe o que é a felicidade.»

Viu pelo terceiro ano consecutivo a Solfut – I Have the Power (IHTP) integrar o ranking das empresas mais felizes em Portugal – que resulta de um estudo coordenado pela Happiness Works. Adelino Cunha, que em 2016 foi distinguido como «Happy Boss», acha que a maioria das pessoas não sabe o que é a felicidade, e provavelmente andam à procura dela no local errado.​

Por António Manuel Venda

 

Num ranking de empresas felizes só aparece a IHTP na área comportamental. Pode-se citar aqui o ditado «em casa de ferreiro espeto de pau»?

Acredito que seja mais porque não fizeram parte da lista de empresas​ que se candidataram.

Como olha para esta distinção?

Fico muito honrado, obviamente, mas acima de tudo dá-nos muito mais responsabilidade, já que é uma distinção que advém da opinião anónima dos que colaboram connosco e nos avaliam de forma a nos colocarem junto de grandes empresas e empresas de referência com capacidade muito superior. Este prémio é um reconhecimento importante, e é um estímulo para continuarmos a melhorar em cada dia.

O que fizeram na empresa que levasse a esta distinção?

Nada de especial. Somos genuínos, somos verdadeiros, gostamos do que fazemos e isso nota-se no nosso dia-a-dia. Somos o mais congruentes possível, embora não sendo perfeitos.​ Recrutamos dando máxima prioridade aos valores das pessoas, ao carácter e a ser uma boa pessoa, pois sabemos que, como diz um dos nossos lemas, «melhores pessoas conseguem melhores resultados». Temos um sistema de incentivos e remuneração sem limite de rendimentos, valorizamos o mérito e não a posição, enfim, fazemos o que ensinamos os nossos clientes a fazer e funciona.

O que é uma empresa feliz, como a sua?

Parte está no que disse anteriormente, mas respondendo à pergunta eu diria que é uma empresa onde as pessoas gostam de estar e têm pena quando têm de sair. É muito comum os nossos clientes ficarem até tarde nos nossos cursos depois de terem acabado, o que revela que se sentem bem. Se alguém estiver numa nossa convenção, por exemplo, ou assistir a alguns dos nossos vídeos no nosso canal do YouTube, vai ver que a felicidade anda no ar.​

A ideia de felicidade no trabalho não pode ser tomada como uma moda, num certo sentido, quando a pressão por resultados parece ser cada vez maior no mundo corporativo?

​Acho que não. A felicidade não deve ser uma moda. Vejo isso como respirar. Respira-se e pronto. Ser feliz é ser feliz e pronto. Não podemos ter organizações e vidas em que as pessoas tentam mostrar que são felizes e que toda a gente veja que são felizes. Isso indica que na verdade não o são. Tem de ser algo natural. Numa empresa, e com a pressão que existe, mais importante é então que haja felicidade. pois passamos a maior parte da nossa vida a trabalhar. A maior responsabilidade advém da liderança, que muitas vezes é infeliz e frustrada, não faz o que deve, não trata com justiça as pessoas – e passa isso para as suas equipas, contaminando o ambiente e condicionando-o a ser triste. Muitas vezes vemos pessoas talentosas a ficarem tristes e desmotivadas pela incompetência da sua envolvente.

Será possível conjugar as duas dimensões?

​Claro que sim. Fazemos isso na nossa empresa e também temos objetivos a atingir, e também queremos crescer e também temos problemas para resolver. Com os procedimentos adequados, uma liderança competente, um recrutamento bem alinhado e alguns fatores extra a incluir, é possível criar uma empresa feliz.

A ideia de empresa feliz pode ser transposta para um país, por exemplo?

​Claro que sim. A felicidade é algo natural no ser humano. Acho que a maioria das pessoas não sabe é o que é a felicidade, e provavelmente andam à procura dela no local errado.​

As pessoas para serem felizes têm de ter um suporte material mínimo, para só depois chegarem outras ambições? Um estudo recente considerava o salário um «fator higiénico» e destacava muitas outras coisas para as empresas serem atrativas para trabalhar. O que pensa disto?

​Acredito que embora o dinheiro não dê felicidade ajuda a criar condições para que ela se instale e floresça. Concordo que é muito mais fácil ser-se feliz com as necessidades básicas satisfeitas. Depois de isso acontecer, a pessoa ajusta-se e para ser feliz terá de ter desafios, caso contrário torna-se uma pessoa acomodada e infeliz, começando a olhar mais para os problemas do que para os sonhos, e isso acontece a qualquer nível numa empresa. Chamo a atenção para o facto de haver executivos que têm menos rendimento disponível do que pessoas do chão de fábrica, pois têm uma estrutura de custos avassaladora. Suporte material mínimo será sempre o disponível e não o nível salarial ou o rendimento auferido. Mais importante de tudo é cada pessoa ter sonhos e saber o que quer conseguir.​

Você já foi distinguido como «happy boss». Que caminho fez para chegar a chefe feliz?

​Também tenho dificuldade em responder a essa pergunta, porque não fiz nada de especial. Trabalho diariamente numa área de que gosto, gosto de liderar e percebo a importância do que faço, tenho uma visão e uma missão claras, tenho muitos sonhos, tenho uma família suportada em valores, recrutamos pessoas para a equipa com valores alinhados com a empresa, não trabalho com pessoas de quem não gosto e quando descubro alguém que viola os valores essa pessoa tem de sair da equipa e tenho uma equipa fantástica de sonhadoras e sonhadores que estão connosco porque gostam, não sendo obrigados a isso. Sou positivo e acredito que o mundo está a melhorar, sinto-me vivo e ​rio-me muito, e não gosto de mentirosos, hipócritas, manipuladores, principalmente no sector onde estou. Acho que sou uma pessoa o mais genuína possível e que não é neutra.

À partida, tem-se a ideia de que todos os chefes são felizes, não lhe parece? E as outras pessoas?

​Não concordo nada com isso. Muitos dos que eu conheço são infelizes, mas isso também pode advir dos serviços que prestamos, em que muitas vezes quem nos procura tem algum problema para resolver. Acho que o ambiente está a mudar, a melhoria económica ajuda a aliviar a tensão que se vive no ar em ambiente de crise. ​Vejo com alguma preocupação um certo egoísmo a crescer, já que as pessoas tentam empurrar o futuro com a barriga, ou seja, já que não consigo ser feliz a sério, já que a minha empresa ou equipa não me permite ser feliz, vou é tratar de ganhar o máximo dinheiro possível enquanto posso mesmo que às vezes atropel​e os valores e esmague pessoas. Isso é uma má estratégia. Temos de ter mais visão de longo prazo e perceber que há tempo e que o tempo resolve muitas coisas, e é conveniente ter o tempo do nosso lado, caso contrário vai resolver contra nós. Fazer o bem é fundamental.

Como olha para o seu papel, além de empresário e consultor, na sociedade?

​Acho que quanto maior a visibilidade, maior a responsabilidade, e no meu caso sou mais do que empresário e consultor. Tenho vários papéis e no futuro serei ainda mais. Nos diferentes papéis que desenvolvo, trabalho para marcar positivamente quem me rodeia e para que as pessoas digam que as ajudei em algo. Podem não concordar sempre comigo, e até podem afastar-se de mim, mas quero que vejam que estando perto de mim eu posso ser uma mais-valia para elas. Acho que o que fazemos deve ser uma mais-valia e deve contribuir para que o mundo seja melhor.

Que marca pretende ou gostava de deixar?

​Gostava que a visão da nossa empresa se tornasse realidade: o ensino das ferramentas para o êxito e para que as pessoas sejam felizes, gostava que fizesse parte dos programas escolares, desde o ensino básico até aos níveis superiores. A ignorância é o elemento mais redutor e castrador dos indivíduos. Infelizmente, a escola neste momento ainda não ensina o que é importante para a vida: relações humanas, concretizar sonhos, ganhar e gerir dinheiro, etc. Há tanta coisa importante que a escola não ensina ainda…

O que o inquieta para o futuro?

​A liderança em Portugal e no mundo precisa de ser diferente. Precisamos de ter novos líderes para termos um novo mundo com empresas mais felizes. Precisamos de ter melhor educação e menos escola. Precisamos de ter mais professores competentes e retirar do sistema os professores que não o deveriam ser e impedem as pessoas boas de trabalhar com felicidade e motivação. ​Se isto não for feito, acho que a guerra surgirá algures no horizonte, o que é um drama para todos. Acredito que cada um de nós tem uma palavra a dizer e uma ação a fazer, e se fizermos a coisa certa o mundo muda e melhora.

 

»»» Adelino Cunha é chief executive officer (CEO) da Solfut – I Have the Power (IHTP), empresa de que é o fundador. A IHTP é um centro de treino de pessoas para o êxito, com sede no Porto. Conta com clientes em mais de 25 países, espalhados por quatro continentes, nomeadamente África do Sul, Brasil, Espanha, Japão, México, Peru, Reino Unido e Venezuela. Com uma atuação abrangente e diversificada a nível pessoal e profissional, está organizado em sete academias que agregam cursos, programas, livros, palestras na área comportamental, liderança e programação neurolinguística (PNL).