Alta performance

 

As neurociências, em geral, e o estudo do cérebro, em particular, evoluíram de forma exponencial nos últimos anos. As técnicas cada vez mais sofisticadas, vieram dar um impulso significativo a todo o conhecimento, com relevância especial para a ressonância magnética nuclear funcional (RMNf). Para além dos estudos morfológicos, temos agora acesso a imagens em tempo real da funcionalidade do cérebro.

Por José Soares

É um passo gigante no conhecimento que implica uma revisão de muito do que tem sido escrito e dito em áreas tradicionalmente mais ligadas ao comportamento, como as vulgarmente designadas por soft skills. Estas competências, cada vez mais valorizadas, estavam originariamente sob a égide das também chamadas soft sciences como a psicologia ou a sociologia. Mas, atualmente, deparamo-nos com alterações significativas neste quadro conceptual. Não só as neurociências trazem dados novos e cada vez mais profundos sobre a funcionalidade cerebral, o que implica a revisão de muito do que sabíamos e dizíamos, como as soft skills, ao adquirirem um papel tão relevante no perfil dos colaboradores das empresas, têm de ser entendidas como verdadeiras hard skills, porque estão na base da diferenciação individual.

No desporto, por exemplo, já percebemos que o que faz muitas vezes a diferença entre a medalha de ouro e a de prata não é tanto a componente mais fisiológica, mais hard, mas antes as capacidades de gestão da ansiedade, motivação ou concentração na tarefa. São estas características ditas mais soft que, ao mais alto nível, fazem a distinção entre os melhores e os menos bons, entre os mais e os menos performantes. Também nas organizações, para além das capacidades mais hard, são as soft skills que se constituem como a base para a expressão das competências mais técnicas. Por isso, esta distinção entre hard e soft não só tem vindo a esbater-se como muito daquilo que se pensava sobre estas competências, em muitos casos, está longe de ser confirmado pela ciência.

A literatura científica tem sido clara ao demonstrar que, para além das capacidades mais comportamentais serem decisivas, existem dois fatores que acabam por adicionar complexidade a esta framework: o papel do stress e da fadiga nas soft skills. Será que aquela pessoa que mostra níveis elevados de compromisso com a empresa ou com a equipa, liderando de forma aceite e valorizada por todos e com níveis de motivação contagiantes, consegue manter esse perfil perante uma situação de turbulência pessoal ou profissional ou perante exigências profissionais muito elevadas? Ou seja, quem é um excelente soft skiller em ambiente calmo e tranquilo, garantirá uma liderança e níveis motivacionais elevados em stress e fadiga com as mais diversas origens? Em concreto, o perfil de um chief executive officer (CEO) de uma empresa em crescimento será o mesmo que quando o ambiente se degrada ou perde o principal cliente e a viabilidade económica da organização fica em risco? Ou quando algo na sua vida pessoal se altera negativamente?

Ou seja, as organizações vivem hoje um ambiente que adiciona complexidade à expressão das componentes comportamentais. Se atentarmos no envolvimento corporativo de todos nós, rapidamente concluímos três pontos comuns a quase todas as organizações:

– As pessoas nunca estão em off-line. Ou seja, nunca estão desconectadas.

– Longas horas de trabalho. As oito horas são quase já uma raridade. É habitual falar-se já dos dois turnos de trabalho. O primeiro turno corresponde às horas na empresa e o segundo refere-se ao final da noite, quando vamos verificar a caixa do e-mail ou terminar um relatório.

– Pressão para os resultados. A frase constantemente referida de que «é preciso crescer», e esse crescimento tem de ser suportado em resultados, faz com que a parametrização do trabalho envolva todos num ambiente pressionante e muito exigente.

Estas três características do mundo atual nas empresas estão associadas a um conjunto de consequências que podem ser resumidas em stress e fadiga. As duas consequências não só estão interligadas como acabam por potenciar a sua expressão e ter um impacto, não só na performance corporativa mas também no desenvolvimento pessoal de cada um de nós. Ou seja, se por um lado as neurociências vêm trazer novos insights às soft skills, o ambiente corporativo caracterizado por elevados níveis de exigência e envolvimento obriga a uma visão mais complexa e profunda das competências comportamentais significativamente comprometidas, seja pelo stress, seja pela fadiga imposta pelo dia-a-dia das organizações, independentemente da área, do nível ou da dimensão.

 

 

»»» José Soares é adviser da Abylos Trends & Consulting, uma consultora com atividade recente em Portugal. Professor catedrático de fisiologia na Universidade do Porto e especialista em performance, é o responsável por um curso de alta performance da Abylos (trata-se de um curso que está dividido em três áreas: decision, como funciona e é estimulado o cérebro humano; energy, o equilíbrio na dicotomia tempo versus trabalho; e health, a saúde, a performance e os fatores de risco).