Num cenário empresarial em constante evolução, o papel dos recursos humanos (RH) tem vindo a expandir-se para além da simples gestão de pessoas. Com o avanço da tecnologia e o crescimento exponencial dos dados, também os RH emergiram com uma abordagem estratégica para tomar decisões inteligentes e mitigar riscos laborais, que podemos denominar por People Analytics. Neste artigo, exploraremos como a utilização de dados pode fortalecer as práticas de RH e a importância de uma abordagem legalmente sólida para garantir a conformidade com a lei.
Texto: Joana Oliveira/ Pedro Ferreira de Sousa Fotos: DR
.
Ao adotar uma abordagem baseada em People Analytics, podemos tomar decisões fundamentadas por informações confiáveis e precisas. A análise de dados permite identificar tendências e padrões, antecipar riscos e estabelecer políticas preventivas. Além disso, a análise preditiva, impulsionada por algoritmos e inteligência artificial, oferece insights valiosos para a antecipação de problemas, como o turnover, absentismo e acidentes de trabalho.
Os algoritmos e a inteligência artificial têm desempenhado um papel fundamental nos RH. Estas tecnologias podem processar grandes volumes de dados de forma eficiente, identificar correlações complexas e fornecer previsões acionáveis. No entanto, é essencial que esses algoritmos sejam desenvolvidos e aplicados com considerações éticas, garantindo a imparcialidade e a transparência dos resultados.
A utilização de algoritmos e de inteligência artificial nas relações laborais encerra questões particularmente sensíveis e complexas.
Por um lado, haverá que reconhecer a utilidade, designadamente em termos de eficiência e de objetivação de decisões gestionárias, na implementação deste género de soluções. O seu potencial é crescente e proporcional ao avanço tecnológico e cada vez mais transversal, com aplicação, por exemplo, em processos de recrutamento e seleção (com a análise de perfis e subsequente escolha), de distribuição de tarefas (com a atribuição de tarefas aos trabalhadores mediante critérios pré-fixados), de avaliação (com a análise de indicadores de performance) e de despedimento (com a escolha de trabalhadores a abranger pelo despedimento com base em critérios pré-determinados). Por outro lado, a possível arbitrariedade e até discriminação ou a falta de transparência e conhecimento do modo de funcionamento destas ferramentas impõem uma atenção redobrada da comunidade jurídica ao fenómeno.
O direito, que pela natureza das coisas tende a não acompanhar a evolução com a desejada celeridade, tem vindo a chegar ainda mais atrasado ao enquadramento e regulação destas novas realidades tecnológicas. O esforço imediato do legislador deverá ser orientado para a garantia, por uma banda, da correção, da lealdade e da legalidade das soluções e, por outra banda, do seu conhecimento, da transparência e da sindicabilidade.
Foram já dados alguns passos importantes no sentido da consagração legal de regras e princípios a que estas ferramentas devem obedecer, designadamente no que respeita ao direito à igualdade no acesso ao emprego, com a proibição expressa de soluções discriminatórias ou intrusivas, e à gestão de plataformas digitais. No entanto, trata-se ainda de uma dimensão que carece de mais profunda e sobretudo mais específica regulamentação. Ainda a este respeito, a efetividade das previsões legais atuais e futuras ficará umbilicalmente ligada ao conhecimento que as entidades fiscalizadoras, nomeadamente a Autoridade para as Condições do Trabalho e os tribunais, possuam em relação a estas novas realidades, impondo-se nessa medida um particular esforço de capacitação, formação e reforço de meios.
No que respeita à transparência e à sindicabilidade, a recém-aprovada Agenda do Trabalho Digno consagrou um novo dever para as entidades empregadoras: os trabalhadores deverão ser informados dos parâmetros, critérios, regras e instruções em que se baseiam os algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial que afetam a tomada de decisões sobre o acesso e a manutenção do emprego, assim como as condições de trabalho, incluindo a elaboração de perfis e o controlo da atividade profissional. Trata-se, portanto, de uma inovação legal no sentido de assegurar à comunidade laboral a efetiva possibilidade de controlo dos instrumentos utilizados pelas empresas na gestão das relações de trabalho. Cumpre no entanto dar nota de que outros mecanismos de controlo se encontram em discussão, designadamente a criação de registos públicos deste tipo de soluções, de modo a possibilitar o acesso imediato e direto às ferramentas utilizadas e, bem assim, um histórico da respetiva evolução ao longo do tempo.
Os desafios são, como se vê, muitos e de diversa ordem. Caberá a todos – legislador, entidades fiscalizadoras, empresas e trabalhadores – a responsabilidade pela correta e ética transição para um mundo laboral (ainda mais) digital.
.
»»»» Joana Oliveira é consultant na SHL Portugal; Pedro Ferreira de Sousa é associado coordenador da Vieira de Almeida (VdA)