Prevenir a discriminação no momento de avaliar

A avaliação de pessoas no seio das organizações é muitas vezes contaminada pela proximidade ou pelo distanciamento relacional que temos com o avaliado e/ ou com o grupo onde este se insere.

Texto: Sara Vilar/ Francisco Campos Braz

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Quando temos uma relação distante ou não gostamos da pessoa, dificilmente escapamos a estereótipos no momento de a avaliar. No entanto, quando alguém nos é próximo, tendemos a avaliar com base em ações e comportamentos específicos.

Segundo Art Markman (2015), o facto de termos um estereótipo negativo sobre um determinado grupo não afeta a avaliação que fazemos em relação a pessoas desse grupo de que nós gostamos. Assim como os comportamentos positivos das pessoas que nos são próximas não nos fazem pensar melhor sobre o respetivo grupo estereotipado em que possam estar inseridas. 

Desse modo, ao invés de avaliarmos as ações e os comportamentos de forma objetiva, tendemos a avaliar as pessoas consoante a relação que temos com elas ou com o grupo onde se encontram inseridas, perdendo objetividade e aumentando o risco de preconceitos e ações discriminatórias na hora de avaliar e/ ou recrutar.

A desconstrução desses preconceitos e a urgente mudança de mentalidade são já hoje, felizmente, prioridades na nossa sociedade e na maioria das organizações. Aceita-se hoje que soluções como o currículo cego (blind-CV), que permite ao candidato não colocar no seu currículo quaisquer informações de cariz pessoal, revelam-se ineficazes contra potenciais formas de discriminação no mercado de trabalho. Ainda tendo o currículo cego como exemplo, veja-se que este apenas adia potenciais discriminações para uma fase de avaliação posterior, como a da entrevista.

Assim, torna-se necessário analisar ponderadamente os comportamentos e as características das pessoas a partir das suas ações, independentemente dos grupos onde possam estar inseridas, abandonando assim um processo de avaliação automático e heurístico.

A necessidade de objetivar os critérios de avaliação de um trabalhador ou candidato a emprego, seja na hora de o promover, despedir ou contratar, é também, além de uma necessidade e de um imperativo ético, uma obrigação legal.

O Código do Trabalho (CT) materializa os princípios constitucionais da igualdade e não discriminação ao proibir qualquer prática que beneficie ou prejudique trabalhadores em razão, nomeadamente de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, origem ou condição social, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.

Tal não significa que, por exemplo, não se vede a contratação ou promoção de quem, em razão da idade ou de doença, não possa cumprir com critérios objetivos de exigência física de determinada função. Assim como é natural que se beneficie quem fala determinada língua se a função assim o exige. Também a nossa jurisprudência, no mesmo sentido, é clara quanto à justificação da diferença salarial de trabalhadores da mesma categoria profissional quando a natureza, a quantidade e a qualidade do trabalho (aferidas com base em critérios objetivos de mérito, produtividade, assiduidade ou antiguidade) são, elas próprias, distintas, delimitando-se o âmbito do princípio «a trabalho igual salário igual».

Determinante é, pois, que os critérios, as práticas e os meios de avaliação de uma organização sejam objetivamente justificados por um fim legítimo e sejam proporcionais. Nesse sentido, e como forma de controlo da aplicação de critérios objetivos por parte dos empregadores, o CT exige, entre outros requisitos, que o empregador afixe, em local apropriado, a informação relativa aos direitos e deveres dos trabalhadores em matéria de igualdade e não discriminação, assim como mantenha, durante cinco anos, o registo dos processos de recrutamento efetuados.

Destaca-se igualmente nesta matéria a importante inversão do ónus da prova prevista no CT (número 5 do artigo 25), pela qual, sempre e quando o trabalhador alegue e demonstre uma diferença de tratamento, caberá ao empregador provar que essa diferença não resulta de qualquer fator discriminatório.

A nível sancionatório, estabelece o CT que as práticas (e tentativas de práticas) discriminatórias conferem o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, constituindo, em particular, o assédio baseado em fator de discriminação uma contraordenação muito grave (sem prejuízo de eventual responsabilidade penal).

Parece-nos assim evidente que os empregadores (e em particular os avaliadores) deverão, por imperativos éticos e legais, não só avaliar comportamentos, ações e resultados da forma mais objetiva possível, como priorizar, a montante, o próprio momento de definição dos critérios objetivos de avaliação, na medida em que estes deverão cumprir com determinados requisitos legais e serão instrumentais na observância dos princípios da igualdade e da não discriminação.

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»»»» Sara Vilar é consultant na SHL Portugal; Francisco Campos Braz é senior associate na Vieira de Almeida (VdA)

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