Teletrabalho e crianças

Para escrever este artigo, queimei o arroz e tive que fechar a minha filha Matilde na dispensa durante 30 minutos… Obviamente, estou a brincar com um drama que tem assolado muitos de nos últimos dias: conciliar teletrabalho, refeições e crianças.

Texto: Vera de Melo

 

Criança é sinónimo de irrequietude, incapacidade de manter a atenção por longos períodos de tempo, ser dependente. Tudo características que em nada ajudam se estiver em teletrabalho.

Anteveem-se tempos difíceis, e antes de perder a sanidade mental sugiro espreitar algumas dicas:

  1. Encarar com naturalidade a mudança

É importante aceitar ser natural estar ansioso com a mudança de rotina. Sintomas como a dificuldade em adormecer e acordar, baixa concentração e défice de produtividade nos primeiros dias de trabalho são marcos da readaptação e não devem ser hipervalorizados. O choque inicial é algo esperado e natural.

  1. Criar regras

Estar em teletrabalho exige regras. É importante logo à partida defini-las. Se ainda não as definiu, o melhor é antes de ler o resto de artigo e depois defini-las.  Estabelecer como a comunicação irá ocorrer, como as tarefas e as decisões irão ser comunicadas, em que horário e como irão ocorrer as reuniões.
Crie também regras para as crianças. Sugiro dividir o dia em pequenas partes, onde as crianças também têm as suas tarefas e responsabilidades. Faça divisões no espaço, delimitando «as fronteiras da mesa», ou seja, o espaço de trabalho para cada um. Crie alguns sinais, gestos divertidos para que as crianças percebam que naqueles momentos não podem interromper. No início vai ser difícil, mas com a prática vai funcionar. Acredite!

  1. Não ter sentimentos de culpa

Trabalhar em casa oferece a opção de fazer certas coisas que muito provavelmente não faria se estivesse a trabalhar no escritório. No entanto acarreta também outros desafios, nomeadamente conciliar com as tarefas domésticas e com as crianças. Como ninguém é perfeito e é muito difícil (ou quase impossível) fazer duas coisas bem em simultâneo, o melhor é não exigir de si o que não pode dar. Na primeira semana é natural ter dificuldades de foco, o seu corpo e a sua mente estão a habituar-se à nova realidade. O segredo é ser flexível sem esquecer as suas responsabilidades.

  1. Fazer um planeamento do dia

Planear diminui o risco de falhas e permite antever imprevistos. No dia anterior planeie o seu dia de modo a fazer uma gestão adequada entre as suas tarefas laborais e domésticas. Não faça planos que não pode cumprir, coloque apenas o que tem a certeza que vai conseguir fazer, faça planos realistas.

  1. Definir prioridades

Analise as tarefas em função da urgência e da sua importância. Decida o que fazer no imediato, o que pode esperar e o que pode ser delegado. Desta forma, vão sendo cumpridas as obrigações, sem que haja uma constante tensão.

  1. Não colocar a capa de super-herói

Não tente colocar tudo em ordem no primeiro dia. É humanamente impossível. É importante ter o foco certo, pois essa atitude permitirá a realização das tarefas com eficácia e a um ritmo esperado.

  1. Confiar

Esta é para mim uma das dicas mais importantes, aplica-se ao colaborador e à entidade patronal. O colaborador tem de confiar e acreditar que é capaz deste desafio. Um desafio novo, atípico, para o qual não estava preparado, mas que com foco, otimismo e resiliência vai conseguir ultrapassar. A entidade patronal também precisa de confiar. Confiar que o colaborador vai trabalhar, não ter dúvidas de que o vai fazer. O segredo não é controlar, mas monitorizar. Conceder ao colaborador espaço e tempo para que se possa ajustar à nova rotina sem pressões e praticando a empatia. Numa relação líder-liderado a confiança é fundamental, não deixe que nada a abale.

Não desanime, vai conseguir!

 

 

»»» Vera de Melo, licenciada em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, é psicóloga clínica e tem mais de uma dezena e meia de anos de experiência em consultoria de recursos humanos. É chief executive officer (CEO) e partner da Set Goals – Human Consulting. Colabora com «O Programa da Cristina (SIC) e o programa «Nunca é Tarde» (Rádio Renascença). É autora do livro Como Sobreviver a um Chefe Idiota (Ego Editora).