Rui Lança: «A liderança é tão natural como ainda desconhecida em muitas áreas de trabalho.»

É autor de um recente livro sobre o tema da liderança, focado em dois treinadores de futebol de topo mundial, o espanhol Pep Guardiola e o português José Mourinho. Rui Lança, coach e formador, fala do tema e ilustra-o também com alguns nomes sonantes do pequeno mundo português do pontapé na bola.

Por António Manuel Venda

Por quê escrever um livro sobre liderança indo buscar as figuras de José Mourinho e Pep Guardiola?

A liderança é cada vez mais uma das vertentes diferenciadoras dos desempenhos. Uma boa liderança aumenta as possibilidades de as equipas e as pessoas obterem melhores resultados e uma má liderança pode estragar motivações e recursos humanos que até podem ter as competências necessárias. A célebre frase que mais vale um conjunto de cordeiros liderado por um leão do que um grupo de leões liderado por um cordeiro é um pouco a imagem, na minha perspetiva, da necessidade de irmos trazendo a temática da liderança cada vez mais para a discussão de todos nós. Utilizar Mourinho ou Guardiola, figuras seguidas por milhões de pessoas, é uma tentativa para que os exemplos de liderança de que se fala sejam mais facilmente reconhecidas e interpretadas por quem lê o livro ou se interessa pela temática.

É mais aliciante pegar em dois treinadores de topo mundial do que em dois gestores ou dois políticos?

O facto de estes treinadores serem provavelmente mais reconhecidos do que quase todos os gestores ou políticos, faz com que as metáforas e as sinergias entre aquilo que se pretende explicar e aquilo que chega a todos nós seja mais eficiente. Mas a política e a gestão têm inúmeros casos que dariam certamente um bom livro, com exemplos diários.

E para Portugal, Jorge Jesus e Rui Vitória não chegariam?

Chegariam. Não os considero nem melhores nem piores, apenas diferentes. Mas o facciosismo possivelmente não permitiria distinguir o melhor ou pior, se estava bem ou mal feito. O foco era o clubismo.

O que é, na verdade a liderança?

Não acredito que exista uma resposta completa. De um modo muito simples, diria que é o ato de alguém conseguir que um conjunto de pessoas se una em prol de um objetivo comum e desenvolva os processos, as sinergias e as relações interpessoais para alcançar o pretendido. Essa palavra conseguir pode incutir muitos verbos, e é aí que considero que a definição possa divergir de pessoa para pessoa. Umas mais controladoras, outros mais autónomas, umas mais focadas na tarefa, outras nas pessoas, etc.

Jorge Jesus é um líder?

Como referi, depende sempre das teorias sobre liderança que se pegue. Mas para lá da discussão académica, acredito que Jorge Jesus se enquadra naquilo que são os treinadores muito focados nas tarefas e nos resultados. Sabendo que todos os treinadores necessitam de atingir resultados para se manterem na profissão, existem treinadores que se focam mais nos resultados, sendo os jogadores a matéria-prima para os atingir, e existem treinadores que se focam mais nos jogadores como forma de os desenvolver, e aí os resultados aparecerem por arrasto.

Como comenta a afirmação insistente de Luís Lourenço (professor universitário, comentador desportivo, antigo jornalista, antigo dirigente desportivo, figura próxima de Mourinho) de que Jorge Jesus é um chefe?

Lá está, porque possivelmente o professor Luís Lourenço se baseia na teoria de uma liderança mais transformacional. Quem está a par destas questões de liderança, percebe a afirmação do professor.

Dois homens como destaque do livro deixam aqui a liderança no feminino um pouco de lado? Até o exemplo do futebol pode contribuir para isso…

Eu vejo o fenómeno da liderança e das competências comportamentais do seguinte modo: aquilo que é transversal ao homem e à mulher, às equipas de trabalho ou de projeto, desporto ou empresas, é maior do que aquilo que diferencia esses campos. E ainda estamos longe de obter a totalidade de informação que é transversal e que, na minha opinião, é o claro diferenciador pela positiva. Entendo a questão, penso que são necessários exemplos no feminino, mas não acredito que um livro sobre liderança com mulheres na capa ou sobre mulheres a liderar deixe os homens de lado. Temos todos a ganhar.

Junto com Jorge Jesus e Mourinho, como coloca Nuno Espírito Santo?

Neste momento, aquilo que diria do Nuno Espírito Santo é que percebeu que, face às contingências do seu clube, tem de optar por uma estratégia de «nós», do plural, do coletivo. Não consigo ter uma ideia muito concreta do seu perfil, mas parece-me que tem de existir uma mudança na sua comunicação.

Como resume o tipo de lideranças que temos nos três principais clubes portugueses?

Jorge Jesus é altamente focado na tarefa, no conteúdo das ações e muito autoritário e centralizador. Rui Vitória é mais coach no sentido da palavra, de se preocupar mais com os jogadores, no desenvolvimento da tarefa através da pessoa, e é mais autónomo também. Sobre Nuno Espírito Santo tenho uma ideia ainda pouco definida, mas é preciso perceber como ele irá reagir a este momento; depois poderei ter uma ideia mais concreta.

Voltando aos chefes… A imagem de chefe é má, comparada com a de líder. Mas quando vamos buscar os termos anglo-saxónicos o que temos é os chefes: CEO (chief executive officer), CFO (finantial), COO (operations), inclusive coisas mais criativas, com T (technology), I (imagination), de novo E (energy, emotions), C (criativity)… Esta gente chefia? Lidera? O que é que faz?

A conversa de chefia e líder não pode ser realizada deste modo, na minha opinião. Até porque pode ser uma discussão mais académica e ficam dezenas ou centenas de aspetos por referir.

Não lhe parece que a liderança é uma coisa já muito batida? Uma moda em que se insiste…

Batida sim. Mas ainda com muito por onde a pegar. E por estranho que pareça, a liderança é tão natural como ainda desconhecida em muitas áreas de trabalho.

Gosta da palavra «liderado»? Como a compara com «subalterno», por exemplo?

Atribuímos às duas palavras alguns significados que possivelmente vivem de crenças. A palavra «liderado» advém de existir um líder, já «subalterno» implica que haja uma figura hierárquica a que atribuímos modos menos próprios para conseguir os seus fins relativamente à gestão das pessoas com quem mantém uma relação, seja laboral, seja outra qualquer.

 

Rui Lança, coach e formador, é credenciado em coaching pela International Coach Federation (ICF), mestre e licenciado em «Ciências do Desporto» pela Faculdade de Motricidade Humana (FMH) e especializado em «Liderança e Gestão de Pessoas» no Instituto Nacional de Administração Pública (INA). Escreveu os livros «Coach to Coach», «Como Formar Equipas de Elevado«Como Formar Equipas de Elevado Desempenho» e «Guardiola vs Mourinho, mais do que treinadores».