Jorge Sequeira: «Temos de fazer parte da própria mudança.»

Uma vida académica preenchida, com ligação às empresas, sobretudo em termos de consultoria, e à otimização comportamental de equipas de alta competição. Jorge Sequeira, que em fevereiro passado encerrou a segunda edição do «Fórum de Líderes para a Gestão do Talento», da «human», fala-nos aqui do seu trajeto nos últimos anos e também do que o levou a candidatar-se à Presidência da República.

Por António Manuel Venda

 

Como vê o seu percurso em termos de intervenção junto das empresas?

Vejo-o de uma forma bastante natural. Comecei por ser um académico, fiz o mestrado e a seguir o doutoramento. Passei depois a ter intervenção em MBAs e em pós-graduações executivas, com os alunos a trazerem a experiência do mundo empresarial. Já são 20 anos de ligação às empresas, principalmente nas áreas de gestão de equipas, motivação, work life balance, liderança e retenção do talento, bem como criatividade e consultoria estratégica.

Quais foram as principais necessidades que encontrou então? Sobretudo nos primeiros tempos…

Apercebi-me de várias coisas. É fundamental haver um alinhamento entre as pessoas e a estratégia, mas muitas vezes deparei-me com mundos à parte, funcionando paralelamente, com uma enorme falta de convergência. Depois, os líderes e os liderados eram vistos como grupos à parte – havia necessidade de conciliar estes dois universos. Mais, uma alegada falta de empenho era tida como fator crítico. Dizia-se que os trabalhadores não se esforçavam muito nem vestiam a camisola… Aliás, se dantes se falava de motivação agora fala-se de compromisso, mas temos é que apontar baterias para o ownership, ou seja, o sentido efetivo de pertença, onde cada pessoa deveria sentir a empresa como sua. Outro aspeto, a comunicação era vista só no sentido descendente; o seu inverso raramente era perspetivável. Deparei-me com muitas quintas, em que cada macaco deveria estar sempre no seu galho; porém, hoje, com uma visão mais multitask do trabalho, os macacos já podem estar nos galhos todos. Também não havia uma agenda coletiva, algo que tivesse alinhamento – cada um tratava do seu departamento, daquilo que lhe dizia respeito. Curiosamente, neste particular acabei por trabalhar numa organização extraordinária que tinha implementado um programa designado «Mete-te na minha vida», que reflete o oposto. Isto é, todos compreendem melhor as vicissitudes do trabalho de cada um. Finalmente, havia falta de flexibilidade; agora já não podemos falar de um trabalho para toda vida, o que realmente temos é uma vida para todo o trabalho. Como dizia Darwin, não sobrevivem os mais fortes nem os mais inteligentes, mas aqueles que se adaptam.

Sente que as coisas têm de alguma forma vindo a mudar?

Sim, mudaram. Nestas duas décadas de prática fui percebendo isso. Nos diferentes sectores em que tenho participado, desde os combustíveis à indústria do calçado, a seguros, banca, tecnologias de informação, ramo automóvel e outros, a gestão deixou de contemplar apenas a componente financeira ou de produção, passando a refletir cada vez mais a otimização do fator humano. Os top managers já percebem que têm de alinhar as pessoas com a estratégia e que não basta apresentar power points e gráficos bonitos para que a vida aconteça. Aumentou, assim, a empatia e a consciência de que os resultados aparecem com a melhoria de competências em equipa, com o facto de se agregar vontades e sintonizar expectativas.

A partir de uma certa altura, o mundo do desporto, a que está ligado, começou a concentrar a atenção das empresas, sobretudo funcionando como exemplo em termos de liderança e de gestão de equipas. Como explica isso?

O desporto fascina, é mediático, concentra as atenções todos os dias, é apelativo e sexy. As organizações adoravam ter isto tudo: emoção, paixão, bem como a possibilidade de fazer a diferença numa hora e meia, tal como acontece no futebol. As empresas em vez de terem clientes preferiam ter fãs. Já reparou que ninguém faz uma tatuagem do logótipo da empresa, mas muitos são capazes de fazer do emblema do seu clube?!… Para além disso, no desporto terá de haver gestão, como nas empresas, porque é um mundo de resultados, muito competitivo. Há aqui uma clara transferibilidade. Veja a bola na trave que não dá golo, é como numa empresa cuja proposta comercial que estava prestes a ser adjudicada mas acabou por ser preterida, porque no último minuto um administrador «chutou» para canto!… Outro aspeto, o treinador tem de gerir pessoas do mundo inteiro – quando trabalhei no Sporting de Braga tínhamos no plantel 11 nacionalidades, em 25 atletas. Esta globalização já acontece em muitas empresas. No futebol, como noutras modalidades coletivas, há posições específicas, os defesas, os atacantes, etc. Com as empresas acontece o mesmo, há o contabilista, o informático ou a pessoa do marketing, só para elencar alguns exemplos. O futebol é uma empresa ao vivo e a cores, onde tudo se escrutina e todos opinam em direto sobre as estratégias e os resultados. Imagine isso numa empresa!… No futebol a avaliação do desempenho faz-se todos os domingos e o feedback é constante, vê-se a evolução dos processos, decide-se de forma célere. Nas organizações dever-se-ia pensar da mesma maneira, pois só há dois tipos de empresas: as rápidas e as falidas.

A sua ligação ao desporto já vem de há bastante tempo. Como começou essa ligação e o que é que o marcou mais aí?

O meu doutoramento tem a ver com o treino mental na alta competição. Desenvolvi um programa que comprovou a sua eficácia, ou seja, quem foi submetido ao mesmo obteve melhores resultados do que aqueles que não foram sujeitos a qualquer tipo de intervenção de otimização cognitiva e comportamental. Investiguei durante 10 anos para isso. Fui convidado pelo Prof. Jesualdo Ferreira na altura em que chegou ao Sporting de Braga, para integrar a equipa técnica. Na Federação Portuguesa de Futebol sou preletor nos cursos de nível quatro da UEFA em Portugal, para além de trabalhar com os árbitros. Sabe, temos a melhor escola de treinadores do mundo, com cerca de 60 espalhados por diversos países, uns mais conhecidos, outros menos. Fernando Santos foi distinguido internacionalmente… Tivemos três treinadores no último mundial. Já para não falar do special one, que tive o prazer de ter como aluno embora tivesse mais a aprender com ele do que para lhe ensinar. Viu-se! Perante isto, as nossas empresas até têm muito a aprender com a cultura de superação e exigência que o nosso futebol exibe.

Voltou a trabalhar no Sporting de Braga, com Paulo Fonseca…

Sim, mas foi uma intervenção pontual, apenas para ir buscar a Taça de Portugal ao Jamor. Além disso, em termos desportivos, tenho feito comentários na TVI e no Porto Canal.

Falou de Fernando Santos. Como viu a postura que ele teve durante o último campeonato da Europa de futebol?

Acredito nele, tem sensibilidade, carácter e uma dimensão espiritual bastante marcante. Nele há significado, sentido de gratidão e humildade. Também sabe perdoar; com ele, regressaram jogadores que tinham sido afastados. Fernando Santos transporta-nos para uma sensação de proteção divina, que pode enriquecer as expectativas.

Há algumas figuras que verdadeiramente o marcaram no desporto?

Sim. O Prof. Jesualdo Ferreira, foi ele que me ensinou futebol para além da perspetiva do adepto. Hernâni Gonçalves, o «professor bitaites», humanista e conciliador, sempre com um sorriso nos lábios. Eusébio, pela pureza, pelo futebol de rua, pelo sonho. Cristiano Ronaldo, um fenómeno de excelência e não só no futebol. Impressionante a sua capacidade de superação. Uma verdadeira expressão do ideal olímpico – mais alto, mais longe e mais forte. Moniz Pereira, a prova de que o desporto não é coisa de pacóvios e que não se circunscreve a um chuto na bola. No jornalismo, destaco Joaquim Sousa Martins e Júlio Magalhães.

O que sentiu quando José Mourinho lhe disse que a melhor equipa era a do União de Leiria?

Pensei que ele estava a brincar, mas não! A melhor equipa é sempre a nossa. Quem é o melhor filho? É o nosso. E a melhor empresa? É a do lado?!… Nós muitas vezes renegamos a empresa que nos paga e a que nos permite educar os filhos. O meu carro leva-me ao trabalho, pode ser um carro simples, mas é o melhor porque é o que tenho. Pensar num descapotável não me adianta nada, porque não me leva a lado nenhum, só me provoca sentimentos de frustração por não o ter. O Mourinho ensinou-me esta simples lição. Eu quero ser melhor do que o Ronaldo? Não. Eu quero é ser melhor do que fui ontem. O mesmo se passa com a Coca-Cola, ou com a Sonae. Têm de melhorar continuamente. Seja na rentabilidade, seja com a abertura de novos negócios, seja com diferentes estratégias de preços… Tal como no futebol, onde o golo é o resultado de um esforço coletivo. Não metemos a bola na baliza e depois fazemos a jogada! Em suma, alcançar resultados é uma consequência natural da otimização de processos.

Não lhe parece que é mais fácil gerir equipas no desporto do que no mundo corporativo?

No desporto é mais difícil. Quem consegue ter sucesso ao nível da gestão comportamental no desporto terá mais facilidade de o alcançar nas empresas. Aí, tem mais do que a tal hora e meia do futebol. Se na empresa eu mandar um e-mail com uma gralha, não há adeptos a insultar, basta-me enviar outro a pedir desculpa. Já no futebol, se falhar um penalty não posso repetir. No desporto tudo fica mais visível, o controlo emocional tem de ser enorme. Para além disso, os recursos humanos valem autênticas fortunas.

Como é o seu trabalho nas empresas em termos de team building?

Esse trabalho começa por um diagnóstico. É preciso conhecer os pontos fortes, as fragilidades, bem como os processos e o tipo de interação e liderança. Depois há que fazer um fato à medida, customizado. Na minha empresa gostamos de desenhar intervenções nas quais as pessoas sintam na pele a construção de uma equipa. Colocamos desafios às pessoas, permitindo que a estratégia coletiva as faça chegar a bom porto. No fundo, trata-se de um trabalho de consultoria integrada que passa pela experiência efetiva, pela reflexão acerca da mesma e a consequente transferência para as situações reais de trabalho. Muitas vezes esta abordagem culmina com uma palestra minha, reforçando as principais dimensões em causa, como a motivação, a liderança, a mudança organizacional ou a gestão de equipas, além de outras.

O que devem os líderes ter bem claro antes de apontarem a um bom desempenho das suas equipas?

Devem saber quem têm consigo. Se são jovens, se preferem evoluir ou se querem apenas ganhar umas coroas e ir embora… Os líderes têm liderados, e estes são os mais importantes; o Mourinho não pode entrar em campo para substituir os jogadores. Os líderes devem saber quem é o adversário ou o concorrente, pois é bem diferente jogar contra o Benfica ou defrontar o Moreirense. Os objetivos devem ser formulados bottom-up, envolvendo as pessoas. É preciso comunicar eficazmente, não deixar dúvidas. Terá de haver transparência, clarificando expectativas: não descer de divisão, ser campeão, isto num clube, mas numa empresa é igual, saber se queremos apenas sobreviver ou chegar à internacionalização. O líder deve também destacar as forças da equipa, não as fraquezas; é importante apanhar as pessoas em flagrante a fazer bem feito, isto aumenta a autoconfiança. É igualmente relevante tentar perceber ou construir uma identidade própria – o que é que aquela empresa tem de diferente da outra? Veja-se o Benfica, têm a imagem de que são muitos, no Sporting destaca-se a fidelidade dos adeptos, no Porto o combate ao centralismo e a luta. Não sou eu que o digo, é a ideia geral. As empresas devem fazer o mesmo, devem diferenciar-se, caso contrário não têm razão de existir.

Deixe-me dar-lhe mais algumas ideias sobre os líderes… Um líder deve ser claro na atribuição de responsabilidades. Atenção, esta estratégia não visa encontrar culpados mas sim perceber os mecanismos que conduzem aos resultados. Um líder deve ser também o cimento que une os tijolos. Há os jovens, há os que estão na pré-reforma, há quem fale inglês, quem não fale. Dele espera-se que seja um catalizador de aproximações. Nós temos tendência para a desagregação. Cada um tem a sua vida. Estar juntos é um forcing. A liderança tem um papel fundamental na colagem. Um líder deve ter humildade, para se concentrar no potencial dos outros ao invés de se concentrar no seu ego.

Mudança e resiliência são temas a que tem dedicado bastante atenção. Há uma grande ligação entre eles?

Sim, estas dimensões estão associadas. Mudar é difícil, penoso, cria angústia, receio… Mas temos de o fazer com frequência. A mudança é a característica mais constante da vida; parece um paradoxo. Temos de nos ajustar, de agilizar, match and fit. Tudo se perde quando nada se transforma. Estamos sempre a readaptar-nos: com a família, com fornecedores, com clientes e até conosco próprios. Tudo isto requer bastante resiliência. Para nos adaptarmos temos de nos renovar constantemente, e nessa medida a maior das alterações não deverá surgir de fora, mas do interior de cada um de nós. Mudar é difícil, mas não o fazer é fatal! As mudanças são cruéis quando não fazemos parte delas. Se queremos alterar a ordem das coisas, temos de fazer parte da própria mudança.

Ter sido candidato à Presidência da República tem alguma coisa a ver com o que acaba de dizer?

Tem. Foi precisamente por isso que me candidatei. Importa que estejamos na mudança, não dizer sempre que «são os outros». Candidatei-me porque o sistema político me parece aquém do que a sociedade civil tem revelado. Temos gente mais capaz fora da política. Temos excelentes empresários, professores, carpinteiros… O país deveria ser gerido como uma empresa, apresentar resultados e pagar as contas. Defendo a meritocracia por oposição à partidocracia. Numa empresa há uma seleção rigorosa das pessoas, mas na política entram frequentemente sem currículo e mesmo assim são eleitas para gerir um país. Sou a favor de uma política transparente em vez de uma política de traz-o-parente. Devemos construir uma nação melhor. Para tal, precisamos de ter convergência na ação. Na política os partidos só encontram defeitos uns nos outros. Até parecem as claques de futebol. Dizem tão mal uns dos outros que eu até chego mesmo a acreditar. No meio disto tudo, enquanto eles discutem para ver quem é o pior, o país, que é bem melhor, vai ficando adiado. Sou a favor de uma gestão responsável, assente na experiência que se traz de outras áreas. E basta de lamúrias; não te queixes da escuridão, acende antes uma vela. Eu tentei, enquanto cidadão, ser uma luz de esperança, mas tenho a consciência plena de que neste país há pessoas infinitamente melhores do que eu. Contudo, não se chegaram à frente; ficam-se pela conversa de café, estéril e inconsequente.

E nesta caminhada, onde entram a mudança e a resiliência?

A mudança foi aquilo que me alimentou o sonho. Por sua vez, a resiliência ajudou-me a continuar vivo. Senti-me frustrado muitas vezes, chegava ao fim de um dia de campanha e não punham nada na televisão. Gastei algum do pouco dinheiro que tinha, dei cabo das solas dos sapatos e da garganta, estive muitas vezes noites sem dormir e por vezes até me esquecia de comer. Porque sempre acreditei que a cidadania participativa e a responsabilidade social das organizações é que podem fazer a diferença no futuro.

Não procurou situar-se à esquerda ou à direita. Por quê?

Se colocarmos vedações em torno das pessoas, elas transformam-se em ovelhas. Quem disse isto foi o extraordinário líder da 3M, William McKnight. A maioria dos eleitores, principalmente da nova geração, já não se revê nesta dicotomia esquerda/ direita. Apenas fazem juízos acerca da competência, da credibilidade e do carácter de quem têm pela frente. Independentemente do quadrante político a que pertencem.

E agora?

Agora vamos é fazer mais e melhor, aumentando os níveis de confiança coletiva, de delegação e de empowerment. É preciso criar condições para reter o talento que abunda, acabando assim com a gestão do medo, que me parece ter os dias contados. Como diria uma pessoa fantástica que conheci nos Açores, o que segura o boi é o pasto, não é a cerca.

 

Nota: foto do entrevistado, DR Team Building

 

»»» Jorge Sequeira é licenciado em «Psicologia» pela Universidade do Porto, tendo estagiado no Hospital Psiquiátrico de Bromham, em Inglaterra. Atua nas áreas de mudança organizacional, superação pessoal, negociação, liderança, resiliência, motivação, condução de equipas, empreendedorismo, criatividade e inovação. Como investigador, tem efetuado diversos tipos de pesquisa, algumas das quais sob a alçada da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). O seu mestrado centrou-se no estabelecimento de competências de confronto com o stress e a ansiedade. Já o doutoramento está relacionado com o treino mental, incidindo a sua intervenção na otimização de dimensões como motivação, formulação de objetivos, gestão emocional, autoconfiança, team building, liderança e coesão de grupos. Autor de vários artigos no âmbito da gestão comportamental, da psicologia desportiva e da reflexão social, apresentou enquanto motivational speaker mais de uma dezena de palestras diferentes em mais de três centenas empresas, em Portugal e além-fronteiras. Colabora com jornais e revistas e tem atividade regular como comentador televisivo. Enquanto docente, está envolvido em pós-graduações e masters de várias instituições, nomeadamente Instituto de Estudos Superiores Financeiros e Fiscais (IESF), Porto Business School (PBS). Também teve atividade docente na Faculdade de Economia do Porto, na Universidade de Salamanca e noutras instituições de ensino superior. No âmbito do alto rendimento atlético, trabalhou com Jesualdo Ferreira na equipa técnica do Sporting Clube de Braga. A convite da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e da UEFA, é preletor nos cursos de nível superior para treinadores, tendo sido professor de técnicos de nomead, como José Mourinho. Foi candidato à Presidência da República nas últimas eleições. Fundou há cerca de uma década a Team Building (ver aqui), empresa de que é chief executive officer (CEO). Página no «LinkedIn» aqui.