Dois livros
Para lá da cortina de ferro

Separados por mais de meio século, dois livros fundamentais para conhecermos o que estava, e nalguns aspetos ainda está, para lá da cortina de ferro.

Por Francisca Rodrigues

 

 

As edições são recentes, e ambas do Grupo Leya. A D. Quixote recupera uma viagem de García Márquez em meados do século XX. Já a Oficina do Livro lança o relato aventuroso de José Milhazes, com 40 anos no país dos sovietes.

 

García Márquez e o povo assustado

«Em Viagem pela Europa de Leste» é a crónica testemunhal da viagem que o então jovem Gabriel García Márquez fez pelos países socialistas na década de 1950. A par das observações dos companheiros de viagem, o futuro Nobel apresenta uma análise perspicaz e não isenta de ironia dos acontecimentos sociais e políticos da época. A sua viagem pelo mundo comunista inicia-se na Alemanha Oriental e prossegue pela Checoslováquia, pela Polónia, pela Hungria e pela antiga União Soviética. Aí tenta desvendar a verdadeira face do comunismo idealizado por Lenine: um regime kafkiano que quase não é questionado por um povo assustado que parece resignar-se ao seu destino. Edição da D. Quixote.

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Ir ao engano para a sociedade quase perfeita

«As Minhas Aventuras no País dos Sovietes», de José Milhazes (na imagem), é um livro de memórias onde o jornalista conta como saiu da Póvoa de Varzim em 1977 para estudar «História» em Moscovo e esteve lá quase 40 anos, acompanhando a passagem da URSS à Rússia de Putin. «Naquela altura, mais precisamente no dia nove de setembro de 1977, os comboios da linha Póvoa de Varzim – Porto ainda eram movidos a carvão e foi num deles que se iniciou a minha longa viagem. A mala era leve, porque além de não haver dinheiro para mais eu estava convencido de que não se ia para o ‘Paraíso Terrestre’ com a casa às costas, porque nesse lugar não costuma faltar nada, à exceção do pecado. Sim, eu ia viver na sociedade quase perfeita, na transição do socialismo desenvolvido para o comunismo.» Começa assim esta edição da Oficina do Livro.

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