A vida no outono da vida

Por vezes sinto-me estranha. Não por viver qualquer crise de identidade, ou por algum acontecimento com poder de despersonalização. Simplesmente começo a sentir-me cansada, dou comigo a procurar o silêncio, o momento em que mesmo que o pensamento voe à velocidade da luz estou comigo e «curto» o meu sentir.

Por Paula Campos

 

Histórias, imagens, acontecimentos, sempre as mesmas notícias, os problemas crónicos, as guerras iminentes, o défice, os impostos, os mercados, os refugiados, o futuro da Europa… A nossa vida… Os nossos problemas…

Embora acredite que em todos os momentos da história a resiliência foi quase sempre a competência diferenciadora, reflito sobre que tipo de mutação terá havido para explicar comportamentos que começam a emergir com toda a força, contrariando as lógicas que nos ensinaram acerca das gentes e do mundo.

Falo do cansaço, do esgotamento, do descrédito que começo a sentir não só na minha gente mas nas gentes que espalhadas pelo planeta começam a sentir que a sobrevivência tem vindo a substituir a vivência.

De repente é como se nada já nos surpreendesse, como se soubéssemos e dominássemos tudo o que pelo mundo vai acontecendo.

As guerras passaram a doença crónica, o terrorismo é uma ameaça que se aceita estar em cada esquina; não vale a pena fugir. Continuamos a olhar para os botes sobrelotados que chegam à Europa, mas agora a nossa atenção sobre o fenómeno está cada vez mais flutuante e quase sempre culmina num sussurro de «coitados», como se de um mal necessário se tratasse.

A corrupção, essa, já passou para o patamar da aceitação, agora com laivos de humor como que para exorcizá-la.

Entretanto, nos intervalos dos acontecimentos que se repetem, lá surge um ou outro episódio para divertir o imaginário coletivo e mais uma vez levar as pessoas a questionarem o país dos fenómenos. Como é possível existir um candidato assim a presidente?

É este frenesim que inquieta, legitimado pela lógica de uns quantos inteligentes que continuam prepotentes a dominar o mundo; a mãe natureza vai dando sinais de revolta, e num simples sopro de tufão relembra-nos que tem poder e que será importante que com ou sem cimeiras os grandes do mundo se entendam, e controlem os efeitos da cegueira que as lógicas economicistas desenvolvem.

Num tempo em que todos falam disputando protagonismo em discursos de vitória, em que se cria deuses para venerar a qualquer custo numa tentativa de aprender a acreditar, o ser humano cala a sua angústia só porque tem medo de se perder na incapacidade de compreender a sua essência, de se encontrar.

Talvez por isso e por tudo isto, nos últimos tempos tenho vindo a evidenciar sintomas de intoxicação social. E porque não quero tornar estes sintomas na doença crónica que afeta meio planeta, dou comigo a fugir do barulho e a correr atrás do silêncio e de mim própria.

Sem alienar, sinto que é urgente fazermos experiências de vazio. De um vazio preparado para conter coisas novas, vindas das mesmas pessoas, das mesmas situações, dos mesmos contextos onde habitualmente existimos, mas diferentes… Só porque passamos a focar a atenção na oportunidade de aprendizagem que cada acontecimento nos imprime, na surpresa que cada dia da nossa vida encerra, na simplicidade da aceitação dos factos que nem sempre compreendemos.

Aprendamos com a natureza que a vida tem quatro estações!

É outono, as folhas caem, as cores pastel extravasam a moldura do nosso olhar. É tempo de recato, de alguma nostalgia, mas também de serenidade. De definir o sentido da vida, descobrir e moldar o nosso «eu», rechear a vida de novos sentidos.

É a busca de sentido que preenche o caminho que liga do nascimento à morte, num percurso mais ou menos longo, mas ao qual nenhum de nós consegue fugir.

Este é o meu sentir, só possível porque existem outros sentires, que ao serem partilhados vão moldando o meu barro, definindo as minhas formas, numa pessoa única e diferente, só percebida no encontro comigo. Estarei a refletir nestas coisas só porque me encontro no outono da vida?

Talvez, mas também porque é a vida… no outono.

Tempo de nos afogarmos num sofá, de nos cobrirmos com uma manta de lã e nos deixarmos embalar pelo crepitar de uma fogueira, entregando-nos ao conforto saboreado. Só por estamos bem. Porque sim.

 

»»» Paula Campos é docente do IPAM Porto. Esta escola tem mais de três décadas de experiência no ensino em marketing, tendo desde sempre um ensino uma forte aproximação às empresas e aos mercados. O seu modelo de ensino alia a teoria à prática, através de docentes com experiência empresarial e desafios reais que são lançados aos estudantes por empresas. O ambiente que se respira no IPAM Porto é de profissionalismo, competência e determinação. Os estudantes são verdadeiros gestores de marketing em início ou progressão de carreira. Desde 2015, integra a Laureate International Universities, o maior grupo mundial de ensino superior, que tem a missão de oferecer educação superior com um enfoque multicultural. Fundada em 1988, a Laureate detém mais de 80 instituições em 29 países e on-line, integrando mais de um milhão de estudantes e mais de 70 mil colaboradores.