Formação dual: o exemplo da Alemanha

Bem próximo da zona dos ministérios em Berlim, destaca-se um edifício moderno que acolhe três instituições de cúpula da economia alemã: a BDI – Associação Federal da Indústria Alemã, a BDA – Associação Federal das Empresas Alemãs e a DIHK – Câmara de Comércio e Indústria Alemã. Estas três instituições, com missões diferentes mas interligadas, mudaram as sedes de Bona para Berlim ao mesmo tempo que o governo federal o fez.

Por António Manuel Venda

 

O edifício, numa zona da antiga Berlim leste, foi construído no espaço onde funcionava um parque de estacionamento depois do vazio deixado pelos bombardeamentos aliados da Segunda Guerra Mundial. Bem perto está o Ministério da Economia, na antiga sede do Partido Comunista da República Democrática da Alemanha (RDA). O edifício acolhe a Casa da Economia Alemã e as suas três instituições. Na prática são três prédios com configurações diferentes, algo que se nota menos por fora do que por dentro, onde existe um pátio com muita luz natural, luz que entra por uma cúpula de vidro, alta, muito alta.

Num dos cantos do pátio há uma zona de bambus. A sua origem tem a ver com a ideia de um imperador chinês de que todos os funcionários tivessem nos locais de trabalho uma planta. Um apelo a que houvesse ligação à natureza, e também a que tivessem os pés assentes na terra. O anfitrião da Casa da Economia alemã fala de um dos bambus, que cresceu tanto que as raízes chegaram a ameaçar destruir parte dos alicerces. Tiveram de o tirar de lá. A certa altura o homem comenta que essa imagem reflete de certa forma a economia alemã, mas rapidamente muda de assunto.

Bem ao contrário da realidade portuguesa, onde é normal cada instituição estar isolada, neste caso concentram-se no mesmo edifício. E para além de defenderem interesses diversos têm discussões bastante intensas, numa lógica construtiva onde inclusive as questões políticas têm dificuldade em entrar.

Num workshop a que assistimos e onde estiveram representantes das três instituições – existe uma quarta, a Câmara dos Artesãos, muito importante na Alemanha e que está num edifício próprio, também em Berlim –, as diferenças foram logo notadas, mas percebeu-se ao mesmo tempo um propósito comum, o de fortalecer a economia pelo sucesso do tecido empresarial e também das pessoas no mercado de trabalho, numa atitude que corporiza talvez da melhor forma o conceito de responsabilidade social.

O caso da formação dos mais jovens é um exemplo típico da confluência de interesses destas instituições. A DIHK, com cerca de 80 delegações pela Alemanha e 130 representações pelo mundo, é responsável pela formação dual, algo que lhe é conferido pelo estado federal – faz as provas e os exames de capacitação profissional, como acontece com a Câmara dos Artesãos nas suas áreas (sendo que na Alemanha esta inclui, por exemplo, motoristas, cabeleiros e jornalistas).

Associações patronais e sindicais veem com bons olhos esta opção. Todos ganham: as empresas ficam com jovens formados à medida das suas necessidades – decidem de quantos formandos precisam e têm uma palavra a dizer na definição dos conteúdos formativos das mais de três centenas de profissões definidas. Os jovens recebem formação profissional com verdadeira adequação ao mercado e são pagos por isso. E a sociedade como um todo beneficia de uma taxa de desemprego jovem bastante baixa.

Empresas e estado participam no financiamento desta formação. As empresas com perto de seis vezes o valor público (cerca de 24 milhões de euros anualmente para cerca de seis milhões públicos), mas o facto de integrarem os formandos no seu processo produtivo leva a proveitos que fazem com que o investimento líquido na formação se situe ao nível do estatal. É uma parceria win-win, de empresas e estado, em que facilmente surge um terceiro win para os próprios jovens. Estes, em três a três anos e meio de formação, podem ganhar no primeiro ano, a cada mês, e em valores líquidos, cerca de 800 euros. Isto em média (na construção civil pode-se começar por aí e chegar ao final do período de formação já a tocar os dois mil euros, enquanto um cabeleireiro começa com menos de 300.)

Os jovens têm de conseguir um contrato de formação com uma empresa para entrarem no sistema. Na Alemanha, cerca de um milhão e 400 mil estão na formação dual, sendo que a média de idades ronda os 20 anos. Há dezenas de milhares de vagas em empresas que ficam por preencher, mas também há dezenas de milhares de jovens que não conseguem integrar-se no sistema apesar de terem interesse.

Os jovens que podem fazer esta formação devem ter o ensino obrigatório concluído (a rondar a dezena e meia de anos, dependendo do estado federal). Nalguns casos, vão para a formação dual tendo chegado ao ensino superior. Reflexo do sucesso da formação dual é o facto de a Alemanha ter uma taxa de diplomados jovens de 29%, aquém da meta europeia de 40%, mas no país há quem defenda que pouco mais de 20% chegaria e que dentro de alguns anos as profissões técnicas registarão um défice de recursos humanos. E vários países europeus, entre os quais Portugal, assinaram em 2012 um memorando para o estudo do sistema alemão, reconhecendo a sua validade. Elísio silva, da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã, esclarece que este modelo não será copiável para Portugal, mas defende que o tecido empresarial deve ter uma palavra na definição dos conteúdos de formação profissional e no desenvolvimento do sistema. Isto num país em que se sabe que as ofertas profissionalizantes são tão variadas que chegam a baralhar os jovens e até as próprias empresas.

A ideia com que se fica é a de que toda a formação profissional dos mais jovens na Alemanha é feita com um propósito. Uma realidade bem diferente da portuguesa, onde boa parte do sistema de formação profissional parece alimentar-se a si próprio, viver para si e não saber sequer a razão da sua existência.

 

Três jovens formandos

São exemplos ouvidos ao acaso nas instalações da multinacional ABB, que tem presença mundial e é especializada em tecnologias ligadas a energia e automação.

Nicolas Thompson, nasceu na Alemanha, filho de mãe jamaicana e pai alemão. Com 27 anos, passou por várias universidades, da medicina à engenharia. Está a fazer formação de mecânica industrial. Diz que é muito mais agradável do que a universidade e que não vai desistir. Está a fazer formação nas instalações da ABB mas para vir a trabalhar noutra empresa.

Susana Schott, de 25 anos, faz formação para técnica de operação de eletrónica. Está no primeiro ano. Estudou desenho gráfico, algo de que gosta, mas deparou-se com uma procura reduzida; sempre que se candidatava a um lugar, pediam-lhe formação prática. A família estranhou a sua opção, mas agora está orgulhosa pela sua atitude. Susana acha que a formação dual lhe vai facilitar a vida no futuro. E chega a comentar que antes trabalhava com a cabeça e agora trabalha com a cabeça e com as mãos, algo bem diferente.

Nico Swientek, de 24 anos, está no terceiro ano de eletrónica. Ponderou entrar numa universidade técnica ligada a construção de máquinas, mas depois falaram-lhe na formação dual da ABB. No serviço de matrículas de uma universidade havia uma lista de empresas com propostas de formação dual, entre as quais a ABB. Pensa mais tarde voltar à universidade.

 

NOTA: o autor do texto esteve em Berlim na sequência de um convite da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã

 

 

>>> António Manuel Venda integra a equipa da revista «human».